Reflexões em um fim de noite angustiante.
Foi Sêneca quem disse uma vez que todo espírito preocupado com o futuro é infeliz. Eu já fui muito infeliz. Vivia preocupada. Pré – ocupada. Com tudo. Um belo, dia por obra do acaso, caiu em minhas mãos um livro sobre sonhos. Eu achei muito interessante e fui lendo e comprando mais livros e lendo mais ainda. Montei um acervo pequeno, mas bem interessante. Descobri muitas coisas sobre os sonhos nessas minhas leituras. Mas, a descoberta, se não fosse levada a prática não adiantaria nada. Eu seria apenas uma teórica dos sonhos. Ou uma chata. Resolvi aplicar os ensinamentos adquiridos na minha vida e não na vida dos outros e eles foram se transformando em conhecimentos. E minha vida começou a mudar.
Durante algum tempo fui anotando os meus sonhos. Descobri, não que eles eram iguais, mas que tinham um denominador comum.
Nos sonhos, havia sempre uma sombra em minha vida. Um perigo a ser enfrentado. Um desafio a ser vencido. Uma barreira intransponível que enchia a minha alma de dor. O coração ficava apertado, espremido no peito. Aí, quando não havia mais nada a fazer, eu decidia enfrentar o que me amedontrava e... pronto. Eu sempre conseguia ultrapassar todos os obstáculos. Parar o carro na beira do abismo. Atravessar a ponte cujas madeiras estavam apodrecidas. Fugir de uma casa em chamas. Nadar, sem saber nadar. Eu sentia medo antes, mas na hora que se tornava necessário enfrentar a onça, eu ia com a cara e a coragem e até achava fácil.
Comecei a fazer um paralelo com minha vida no mundo dos acordados. Compreendi que a situação sempre era mesma. Eu me torturava pelo que poderia me acontecer em determinadas situaçõe mas, quando o perigo se tornava real, eu o enfrentava numa boa.
Bem, foi assim que a vida melhorou. Deixei de sofrer por antecipação e passei a enfrentar o problema quando realmente ele surgia.
O estudo dos sonhos foi um grande passo que dei na busca do conhecimento de mim mesma. Saber quem eu sou tem me permitido fazer escolhas melhores para a minha vida. Dedicar-me a fazer realmente aquilo que sei e gosto de fazer, abdicando de atingir a perfeição. Ou melhor, buscando a perfeição de mim mesma sem querer ser perfeita para os olhos dos outros.
Mas... de vez em quando eu tenho uma recaída. Porque tem coisas que fogem ao meu controle.
O que anda me deixando com a pulga atrás da orelha é essa tal de crise norte-americana. O que posso fazer para que ela não me atinja? Nada, absolutamente nada. Só resta esperar para ver de que maneira isso vai acontecer.
Como professora de História, sei que ela é cíclica. Mais dia menos dia o mundo vira de ponta cabeça. Mas precisava ser agora? Minha irmã R vive lá, nos United States. É cidadã americana e a duras penas construiu sua vida, baseada no trabalho e em empréstimos.Ou seja, a boa casa que tem é do banco. O carro também. Se o problema fosse só lá, seria fácil. Era só vir para cá. No entanto quando uma bolha explode em Wall Street os respingos caem no mundo todo. Aqui em Lavras os jornais noticiaram: 90 operários já foram demitidos de uma de nossas grandes empresas fabricantes de peças automotivas. Quando as pessoas perdem o emprego, deixam de comprar. Quem produz diminui a produção, quem vende deixa de vender e assim o círculo vai se ampliando como um redemoinho causado por uma pedra atirada em um lago tranqüilo.
Sei que preocupar-me com isso é inútil porque sei também que eu nada posso fazer. Não sou agente da crise. Mas fico triste pensando nas dificuldades que o mundo vai enfrentar. É nessas horas que dá uma vontade louca de ser ignorante. Não saber nem de mim nem dos outros. Do mundo. Mas isso vai contra a minha natureza. O conhecimento é realmente uma praga. Depois que a gente o adquire ninguém consegue nos tirar. E nem tem jeito de jogar fora.
Esta tristeza também sempre me abate em épocas de eleições. Eu fico tão frustrada com as campanhas eleitorais mesmo quando estou do lado vencedor. É muito dolorido a gente ver as pessoas não se importando com o processo de escolha de nossos representantes. Fazendo isso por motivos fúteis e até torpes como se levar vantagem em coisa pequena pagasse o atraso da nação.
Mas afinal, por que vim parar aqui? Pretendia apenas escrever sobre os sonhos e como são importantes para o nosso autoconhecimento e acabei escrevendo sobre a crise norte-americana e a política em geral. Tem dias que é assim mesmo, a gente acaba perdendo o controle das pontas dos dedos e eles vão digitando por conta própria. Ficam incontroláveis. É melhor parar por aqui e ir dormir, na esperança de que os sonhos tragam respostas para algumas de minhas inquietudes.