30 de janeiro
É estranho estar aqui desta vez. A sensação de urgência ao chegar à cidade, a pressa para encontrar quem já não está mais aqui. Durante o percurso, lembranças. De tempos bons, de brigas, de pessoas que marcaram a história da família. Três horas e o destino é alcançado. Confusão, abraços de pessoas desconhecidas e as diversas manifestações de sentimentos. Em algum momento, alguém me diz "Vai lá, despeça-se dela.". Ao vê-la, dois pensamentos entranhos: primeiro, ela não possui o tal aspecto cadavérico antes visto, não é de mármore. Aquelas mãozinhas sardentas ainda estão vivas para mim, como se as tivesse apertado ainda ontem; segundo, a surpresa ao vê-la tão quieta, característica tão dissonante de sua personalidade. Me vejo sorrindo ao acreditar que em qualquer momento ela irá acordar e sair daquele lugar, rindo e falando com todos "Acharam que fosse a minha vez, hein?".
Não consegui permanecer durante a cerimônia. Um certo alívio de não ter presenciado tudo, mas ao chegar nesta casa, deparo-me com sentimentos mais confusos ainda. Fotos, presentes feitos por primos quando ainda pequenos. A geração da família que se foi. Ainda tenho esperanças de escutar sua voz, mas tudo em vão: ela não está.
É impróprio dizer que foi muito cedo. Essa mulher viveu a vida e aproveitou-a da melhor maneira possível. Não teve filhos, mas seus sobrinhos a consideravam uma segunda mãe. No seu enterro, muitas pessoas estranhas compareceram, se apresentando como a moça do bar, o médico do seu trabalho, etc. Ela foi uma pessoa boa.
Com tudo isso, restaram algumas coisas. O sentimento de inveja, pois alguém lá em cima está tendo agora o prazer da sua presença. Acabaram de receber uma encomenda e tanto! E por último, uma felicidade enorme ao saber que, em seus últimos momentos, ao receber a notícia de que eu havia passado no vestibular, exclamou um "Parabéns!" de sua cama no hospital. E eu só fiquei sabendo depois.
Obrigada, tia.