O filho que eu quero ter

Teatro Castro Mendes. Ingresso para o primeiro show da noite. Com uma pontualidade surpreendente naqueles tempos, exatamente às 8 horas:  um violão amansado e seu domador; um respeitável senhor entrado em anos e seu inseparável Chivas e uma moça deslumbrante, vestida de branco.

O moço de bigode extrai  sons improváveis, sorrisos descontrolados e gritos histéricos, logo aplacados pela visão do velho diplomata que,  tal um papa bondoso senta-se e estende o braço como que abençoando a platéia com seu canto rouco e fazendo o silêncio dos olhares deslumbrados misturar-se à incredulidade das bocas abertas. Era ele mesmo e estava alí para nós.

A moça, que se já não fosse baiana se tornaria alí naquele mesmo momento, rodava a saia e fazia levitar pelo ambiente as nuances de uma voz aveludada que nos acariciava.  " Maria era uma boa moça..." 

Era um show de Vinícius, Toquinho e Maria Creuza ? 

Não. Era puro prazer.
 
Lá pelas tantas, Vinícius começa a contar histórias e numa delas fala de uma das muitas viagens com Toquinho, quando o ouviu confessar um desejo e, por julgá-lo tão humano e emocionante, compôs um poema que o próprio Toquinho musicou:

" É comum a gente sonhar, eu sei,/ Quando vem o entardecer; /Pois, eu também dei de sonhar /Um sonho lindo de morrer./ Vejo um berço e nele eu me debruçar / com um pranto a me correr / e assim chorando acalentar / o filho que eu quero ter.

Dorme, meu pequenininho /Dorme, que a noite já vem / Teu pai está muito sozinho/ De tanto amor que ele tem.

De repente eu o vejo se transformar / No menino igual a mim / Que vem correndo me beijar / Quando eu chegar lá de onde vim. /Um menino sempre a me perguntar / Um porquê que não tem fim/ Um filho a quem só queira bem / E a quem só diga que sim..."

Toquinho queria ter um filho. Vinícius já tinha muitos, mas achei naquela hora que ele gostaria de que o novo "parceirinho" fosse um deles.

Não preciso dizer que dei um jeito de ficar também na 2a. sessão. 

Se alguém procurar cuidadosamente  é até possível que me ache ainda por lá,  esperando a próxima.

Nilsson
Enviado por Nilsson em 01/10/2008
Reeditado em 11/06/2011
Código do texto: T1206495
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