Eu sou Aline, valeu?

EU SOU ALINE, VALEU?

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 01.10.2008)

A cena artística local ferveu nestes últimos dias, desde que entrou em cena uma personagem que ninguém conseguia ver, tocar, cheirar, apalpar; com quem não se podia marcar um encontro, tomar juntos uma cerveja (embora seu gosto tenda mais para o vinho, a julgar por seus juízos), pegar na mão, dar uns amassos.

Aline Valim, a personagem em questão, pulou dos palcos direto para a platéia. Não perde um espetáculo de teatro e - ousadia suprema! - mete-se a dissecar cada lance da cena dramática ilhoa. E o faz por escrito, ainda por cima - o que pode ser imperdoável.

Fantasmal, Aline passou a ser lida por olhos superiores, condescendentes, desses que miram o mundo de cima para baixo. Claro, diziam tais olhos, ela está certa: afinal, meu espetáculo é maravilhoso, minha atuação é magistral, meu teatro é obra (obra-prima) de mestre; ela só faz reconhecer de público tais atributos, de per si já notórios.

Um dia, porém, Aline não gostou muito do que viu, e disse-o com todas as letras, nomes e sobrenomes; destacou o que encontrou de bom (na sua opinião), mas negou-se a esconder nos bastidores o que lhe pareceu (na sua opinião), ao invés de falho, incompleto. Afinal, ao espectador não interessam os bastidores, mas a cena. E Aline exercia o suposto direito inalienável de opinião.

Quem antes aplaudiu por escrito a intervenção crítica de Aline Valim no cenário do teatro local, homenageando-a porque "seu anonimato é peça chave pra que as pessoas analisem seus argumentos sem criticá-la pessoalmente", um ano e meio depois, em artigo recente aqui no DC Cultura, passou a... criticá-la pessoalmente. E a exigir, em altos brados, não só a identidade como as credenciais da moça: Quem és tu, afinal, para vires assim ditar estética e dramaturgia? Isso não é ético! Isso de falar sem dar a cara a bater!

Pois bem, deixa que eu respondo essa.

A pressão é insuportável, não há como resistir. Nos "bons tempos", a prisão ilegal, a tortura e o poder da força resolviam questões como esta num instante. Hoje demora um pouquinho mais: a intimidação para calar a voz destoante, que não se afina com a nossa ou que dela discorda, se faz pelo grito: eu grito e te calo, insolente!

Sim, confesso, enfim: tenho muitos amigos que vão ao teatro e me contam o que vêem. E então eu escrevo o que eles me contam. Aline Valim sou eu, valeu?

Aliás: isto muda alguma coisa?

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "O Insidioso Fato – algumas historinhas cínicas e moralistas", contos)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 01/10/2008
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