A IDADE É UMA MERDA!
Acabo de ouvir o seguinte:
- a idade é uma merda!!!!!
Foi o Seu Marcelino, chateado consigo mesmo por sentir uma fisgada no joelho ao tentar subir numa escada para trocar uma lâmpada, quem proferiu essa frase com raiva.
- E não adianta ficar olhando para mim não, com essa cara de quem não acredita. É uma merda sim.
Tentei argumentar alguma coisa, mas ele nem me deixou terminar de falar.
- Você já viu como velho é feio, menina? Velho é feio. Olha pra mim. Olha para minha velha. Fala verdade.
Para acalmá-lo, levei o assunto para o lado do humor, lembrando-me de uma entrevista do falecido ator Paulo Autran (esse também não me parecia muito humorado com a idade) no programa do Jô. Ele disse mais ou menos o seguinte: “A natureza é sábia. Com o tempo, ela rouba a beleza da juventude do homem e também piora a sua visão, para que ele não veja os seus estragos.”. Com o que Seu Marcelino, na sua conhecida ambivalência, aceitou e rejeitou.
- É! Ele tinha razão. Mas ele se esqueceu de uma coisa.
- De que Seu Marcelino?
- Inventaram os óculos. Inventaram as lupas. E se você quer saber, aqui em casa tem um espelho preso na parede do banheiro que aumenta a imagem não sei quantas vezes. E o pior, aquela porcaria é luminosa. Não gosto de me olhar naquilo. Fico desgostoso. A minha cara tem muito buraco. Parece até essas rodovias por aí. Vai que eu acho um viaduto nela. Não. Não quero me olhar naquele negócio.
Sem me deixar interrompe-lo, continuou:
- Você conhece a minha Cidinha há vários anos. Você se lembra bem de como ela era bonita. Olha pra ela agora. Ta uma velha feia. Arrastando para andar. Ela deve pensar o mesmo de mim. Eita velho feio! Sabe, minha filha, o que mais me irrita na velhice é essa invenção de moda de chamar de terceira idade. Mais ridículo ainda é essa tal de melhor idade. Melhor idade é o cu deles.
Interrompi-o na marra, na tentativa de deixá-lo menos injuriado:
- Seu Marcelino, não sou nenhuma menina. Já sou até secular, o senhor sabia?
- Deixa de bobagem! Quem me dera ter a sua idade. Não fala isso. Se você for secular, eu sou múmia.
- Sou sim. Analise comigo: quem chega à casa dos cinqüenta tem pelo ao menos meio século. E isso é ser secular, concorda comigo?
Ele sorriu e eu continuei:
- Olha, por enquanto estou nos cinqüenta e uns. Os uns eu considerarei até os cinqüenta e cinco. Depois disso, serão cinqüenta e alguns. Porque então o senhor não usa dessa estratégia. Eu particularmente acho uma boa estratégia, o senhor não acha?
- Não adianta nada disso, minha filha. Você vai ver. Começa dor daqui, dor dali. Entra num ônibus para você ver. Vai para fila de um banco. Os mais jovens ficam olhando pra gente como se fossemos um ET. Eu é que não entre naquela fila de velhos em lugar nenhum. Só tem velho chato. Ficam lá só para gastar o tempo. Eu me recuso a me misturar com eles. Logo quando começou esse negócio de fila para idoso eu até tentei fazer uso dela. Porém, eu ficava tão nervoso ouvindo aquelas conversas sem assunto, tendo que ler receitas de médicos ou mesmo bula de remédio. Ah não! Eu me recuso. Prefiro trocar idéias com os mais jovens. Se for para trocar idéia com velho eu fico em casa trocando idéia com a Cidinha. Apesar de você conhecê-la e saber que ela não me dá muita idéia.
Começamos a rir os dois. Mesmo assim, Seu Marcelino fez questão de repetir a sua máxima:
- a idade é uma merda!