Medo
Medo, sentimento vadio, mas por vezes eficaz. Do singular ao coletivo, do novo ao obsoleto.
Quem nunca teve medo de escuro, enfrentou sozinho as ruas tenebrosas sem se assustar com barulho de gato preto perdido pelo caminho, sem temer tempestade em percursos de mar aberto, mau olhado, demolição.
Dentro do medo há objetos determinados, espontâneos ou não, há um sustentáculo. Não confunda com angustia, esta se sustenta na imaginação, sem objeto determinado pode desencadear tristeza, solidão.
Mesmo em outrora, o medo sempre foi algo que assolou a vida humana, com fundamentações divinas ou laicas, sempre esteve por invadir o cotidiano das pessoas. Levou a psicose, aos impulsos descomedidos, ao impacto da própria imaginação, um pesadelo real, um verdadeiro antagonismo diante das vontades, da paz de espírito, do viver bem.
Jean Delumeau, historiador francês em busca do medo, retratou em sua obra “O Medo Obsidional Moderno” os tipos de medo que assolavam aquela sociedade inserida nos moldes cristãos, vinculadas ao poderio do clero, da vontade divina. E hoje, como poderíamos retratar o medo, quem são eles, em que influe? O que nos cerca?
Mudaram-se os valores, a cronologia, geografia, o tipo da repressão, o pensamento tornou-se mais laico, mas alguns medos ainda temem por existir.
A morte, que ainda não tem definição sucinta para onde se vai, transfigura os pensamentos, compõe pesadelos, faz-se presente. Medo de vida configurada em uma doença que leve a impossibilidade de seguir, morre-se o corpo, mas não a alma.
Solidão foge das regras, com aparato no amor, ela conjuga-se em todos os tempos, do pretérito ao futuro, com sombras e dúvidas.
As novas doenças, proezas pertinentes ao mau do século rompem as vitalidades. Dissimuladas e ferozes corrompem corpos, almas, vidas. O medo da fome que se dispersa por um país onde alimento sempre foi base da economia, quantas controvérsias. Medo da guerra, das revoltas interiores que causam depressões. O homem deixou de ser livre para o mundo, para tornar-se preso em si.
Medo desfaz caminhos, causa precipícios, dilacera corações, causa pânico, falta de ar, distancia as expectativas. Até o amor nos dias de hoje é constituído de medo. Amar é ação conjugada, incipiente para tantos, atroz na coexistência com o medo, serena quando distante dele.
A força do medo ausenta os acordes, deleta emoções, desfaz as cores, contornos, desconfigura os planos, censura sonhos, torna-se imperativo ao racional, coração desconfortante.
Nem sempre medo é covardia. Estado da alma que reflete em tudo. Mãos suadas, taquicardia, bipartição. Divide-se em, prosseguir e permanecer. Coragem não tem bula, mas é remédio que se indica sem prescrição médica.
Mentira, efeito colateral, fuga de quem não consegue livrar-se do que corrompe , atitudes desnaturadas, olhares baixos. O medo não olha nos olhos, ele age por traz , destrói e constrói o ser humano. Impõe.
Eu tenho medo de ter medo. Todas as suas sombras e dúvidas que deixam alguns dias em alarde. Ele se torna vagabundo , mesquinho, impertinente.
Hoje o meu maior medo é de poder não ser “alguém”, mesmo sentindo que não sou “ninguém”.