TANTOS RELATOS. TANTAS PERGUNTAS

Faz parte do romance “To Have and Have Not” de Ernest Hemingway o personagem Eddy, velho marinheiro bêbado, que costumava perguntar a todos que encontrava pela primeira vez, o seguinte: “Wouldn’t ever bit by a dead bee?” (Já foi mordido por uma abelha morta?).

Se por conta de um mar revolto o navio do marinheiro Eddy batesse com os costados em uma de nossas praias e os nativos, tendo à frente o seu honorável chefe operário - o que foi sem nunca ter sido - o que não deu certo – fossem ao encontro da tripulação, para lhe dar as boas vindas e como é de praxe, trocarem presentes: eles com os seus apitos, colares e espelhos e os da terra com o seu ouro, suas pedras preciosas, suas especiarias, sua água, seus micos-leões-dourados, suas araras coloridas, seu cupuaçu , sua castanha-do-pará, umas casquinhas de árvores e folhas de plantas medicinais etc. etc. Tudo bem aceito e festejado.

No meio da festança, eis que surge a figura bêbada do marinheiro Eddy, abraçada a duas belas e seminuas morenas. Cessado o som dos atabaques e diante de tanta gente nunca vista exibindo os seus pés descalços, começou o velho Eddy, com sotaque carregado, a sua inquirição. Com o dedo trêmulo apontou: você, você e você já foi mordido por uma abelha morta? Acrescente-se que a pergunta também foi dirigida ao chefe-operário – o que foi sem nunca ter sido - o que não deu certo -

A tempestade passou, todos a bordo, o navio começa a zarpar. Havia acenos de ambos os lados, foi quando o comandante do navio fez um aviãozinho de papel e lançou na direção do chefe-operário – o que foi sem nunca ter sido - o que não deu certo - Ao desdobrar o aviãozinho, este constatou que estava escrito nele um poema , tentou ler; sentiu certa dificuldade mesmo assim soletrou...“Perguntas de um operário (Operário?! Ai lembrou que ele foi sem nunca ter sido) que lê”( que lê!? Também não era com ele, melhor fazer uma hora de esteira do que ler um livro, repetindo o que já dissera antes). Então amassou o aviaozinho e deixou cair ao chão. Algum curioso passou, apanhou e leu , era um poema de Bertold Brecht, que dizia:

Quem construiu a Tebas das sete portas?

Nos livros constam os nomes dos reis

Os reis arrastaram os blocos de pedra?

E a Babilônia tantas vezes destruída?

Quem ergueu outras tantas?

Em que casas da Lima radiante de ouro

Moravam os construtores?

Para onde foram os pedreiros

Na noite em que ficou pronta a Muralha da China?

A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.

Quem os levantou?

Sobre quem triunfaram os césares?

A decantada Bizâncio só tinha palácio?

Para seus habitantes?

Mesmo na legendária Atlântida,

Na noite em que o mar a engoliu,

Os que se afogavam gritavam pelos seus escravos

O jovem Alexandre conquistou a Índia

Ele sozinho?

César bateu os gauleses.

Não tinha pelo menos um cozinheiro consigo?

Felipe de Espanha chorou quando a sua Armada naufragou.

Ninguém mais chorou?

Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.

Quem venceu, além dele?

Uma vitória em cada página.

Quem cozinhava os banquetes da vitória?

Um grande homem a cada dez anos.

Quem pagava suas despesas?

Tantos relatos.

Tantas perguntas.

Eu li o poema do Bertold, mas será que o chefe-operário - o que foi sem nunca ter sido -o que não deu certo – leu? Tenho cá as minhas dúvidas... Os companheiros continuam descalços, ferrados pelas abelhas mortas e tão carentes de ações...

PS: explico a metáfora do Eddy: tem a ver com a condição de pobreza. Quem é pobre e vive descalço expõem-se a pisar em abelhas mortas de quem o ferrão continua ativo.

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 29/09/2008
Reeditado em 29/09/2008
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