Sobre o Tempo

O tempo me furta a juventude sorrateiramente, sem que eu perceba. As lembranças que tenho de vinte anos atrás, são tão nítidas como se tivessem acontecido há poucos dias.

Vejo tudo de forma congelada em fotos antigas em que eu, criança, despreocupadamente sorria e nem imaginava que hoje estaria aqui sentada refletindo a respeito de tudo o que fez e faz sentido nessa vida.

De repente é como se acordasse de uma longa noite de sono e os anos tivessem se passado como horas apenas. Tudo tão depressa, tão intenso e tão irreversível.

Lembro-me por muitas vezes ter me queixado à minha mãe como se ela pudesse acelerar o processo de maturidade, que incluía ser adulta. Da mesma forma são ainda presentes em minha memória as palavras dela dizendo: “um dia você terá saudade desse tempo!”.

Dizem que para os pais os filhos são eternamente crianças, na mesma proporção em que para nós eles são sempre jovens e aparentemente eternos. Isso agora vem de encontro à verdade quando ao olhar-me no espelho, já consigo notar as marcas do tempo e quando ao olhar para eles, já vejo que há mais cabelos brancos que pretos, a saúde já é mais frágil e que o vigor já não é mais como antes.

Quando ficamos mais velhos temos saudades de coisas mais bobas. Sempre gostei de futebol, embora nunca tenha torcido pelo mesmo time do meu pai. Isso nunca foi para nós motivo de rivalidade, ao contrário, sempre nos rendeu boas risadas. Amor de pai e mãe são coisas inexplicáveis. Quando eu tinha quatro anos apenas, foi a primeira vez que meu pai me levou ao estádio para ver o meu time jogar. Assisti ao jogo inteiro sentada “de cavalinho” sobre os ombros dele. E valeu a pena, o jogo foi 4x0 para o meu time.

Dessa minha fase de infância me sobraram duas amigas. Uma delas é casada, mãe de dois meninos lindos. A outra já se casou e separou duas vezes e não tem filhos. Engraçado como mesmo sob a ação do tempo e a distancia, nossa amizade nunca sofreu abalos e todas as vezes que nos encontramos e falamos ao telefone é como se tivéssemos nos falado há horas apenas. A cumplicidade e a solidez dessa amizade é tanta, que temos a certeza de que em qualquer momento de nossas vidas, independente da circunstância nossa presença é indispensável umas para as outras.

Às vezes sinto certa angústia por não ter saboreado certos momentos enquanto eles aconteciam. E hoje, vejo que é muito concreto o pensamento de que: só damos valor às coisas quando já não temos mais. Isso não é uma lamentação, pois hoje, consigo ser feliz com tudo o que tenho e realizo, com os sentimentos que desperto e com tudo o que sinto pelas pessoas. Hoje a minha capacidade de compreender os “nãos” é muito maior e menos dolorosa.

Os anos me deram a sapiência para manifestar na hora exata aquilo o que penso em forma de palavras e direcioná-las a quem de direito. Prefiro as homenagens presenciais às póstumas.

Aqueles que foram ou são importantes em nossa vida, merecem saber disso aqui e agora por meio de nossos gestos de amor, enquanto ainda podem saborear por meio dos nossos carinhos e do brilho dos nossos olhos o quanto é valiosa essa presença e o quanto abrilhantam nosso caminho e nossa alma.

Diante disso, só tenho uma manifestação a fazer: se algum dia pensar em me homenagear com flores porque me ama de alguma forma, leve-me para apreciá-las junto a você num jardim bem colorido, onde tenham árvores com copas frondosas e balé de borboletas.

As melhores lembranças são imateriais. Talvez eu nunca possa lhe agradecer uma coroa de flores na hora da despedida se eu deixar a vida antes de você.

Mas certamente conhecerá a minha gratidão por ter estado um dia todo ao seu lado, quando ao voltar para casa, ainda que exausta eu lhe deixar no rosto uma marca de batom e o calor de um abraço apertado repleto de alegria de saber que ali não há nada mais importante que você, eu e o amor que lhe entrego a cada instante.

Fernanda Vaitkevicius
Enviado por Fernanda Vaitkevicius em 28/09/2008
Reeditado em 28/09/2008
Código do texto: T1201686
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