A ESMOLA NOSSA DE CADA DIA
Quase mais um final de tarde como outro qualquer, de sol morno e baixo e de trânsito lento.
Tudo igual.
Os malabaristas no mesmo farol, e apenas um número diferente, aonde um artista anônimo se equilibrava nas suas pernas de pau, com a mesma habilidade com que qualquer um de nós se equilibra pela vida.
Nos espaços entre os automóveis parados, um adolescente carregava um pouco d'água e uma daquelas esponjinhas de limpeza destinada a arrancar a poluição dos vidros dos autos.
Lembrei que algumas campanhas nos pedem para que não estimulemos as esmolas nos faróis.
Mas ele tentava trabalhar. Eu senti.
Aproximou-se de mim, mas eu nada tinha ali.
Então o segui com o olhar através do retrovisor torcendo para que conseguisse efetuar algum trabalho.
Percorreu uns dez autómóveis...e nada!
Desolado, sentou-se no meio-fio, enquanto mais um farol monotonamente se abria.
"Não dê esmolas"- "mas ele tentava fazer seu trabalho-eu senti!" -eram os pensamentos que me angustiavam.
"Esmolas icentivam o ócio, alimentam a droga".
Parei para refletir sobre a hipocrisia da nossa condição sócio-política, que muitas vezes alimenta as mesmas situações , cujas repercurssões sociais são tão (ou mais) graves quanto as "disfarçadas" esmolas dos faróis.
Segui.
Quase um final de tarde...quase um final de vida, que ainda sequer ousara começar, ali, no mesmo farol de sempre, aos olhos cegos do todo.
Tudo igual!