O NINHO DA ROLINHA

Certo dia, muitos anos atrás, resolvi por abaixo a velha e já perigosamente descomunal algarobeira nascida, ou plantada por alguém, no lado esquerdo do quintal, à entrada de minha casa, e à época debruçada sobre o muro como se repousando do cansaço dos anos. Percebi que a velha árvore alcançava proporções assustadoras e suas raízes começavam a espalhar-se sob o piso da garagem, talvez até mesmo ameaçando a estrutura do imóvel. Era ela ou a casa, meu coração titubeou, porém a escolha, é evidente, se tornava uma covardia porque eu não hesitaria em optar pelo teto de minha família, bem dá para imaginar.

Contudo, e isso só vim a tomar conhecimento um pouco antes de decidir pela imediata remoção da árvore, eu soube, entristecido, que a planta se tornara o lar de uma avoante. O ninho daquela rolinha estava localizado bem escondidinho por entre um denso amontoado de galhos e folhas, quase impossível de ser visto. Pela manhã ela saía em busca de alimentos e voltava somente à tardinha já para o aconchego noturno. Numa de suas saídas aproveitei para verificar se havia ovos ou filhotes, e não, não havia. Puxa, respirei profundamente aliviado! Não sei se conseguiria conciliar o sono ou me olhar no espelho se despejasse de maneira abrupta pequeninos seres inocentes sem mais aquela.

Sim, teoricamente o sossego de minha família estava em jogo, mas a fauna também merece o mesmo respeito e cuidado, algo poderia e deveria ser feito caso o ninho estivesse ocupado também por inocentes filhotinhos. Nada melhor do que uma idéia simples, bastaria esperar um tempinho mais para que as aves crescessem, aprendessem a voar com a mãe e tomassem seu rumo em busca de novos horizontes como sói acontecer normalmente na fase adulta.

Mas, como não precisava ficar preocupado com esse detalhe e considerando meu temor ante as ousadas raízes penetrando alicerce abaixo, bem como a possibilidade de uma avaria inesperada na casa, pensei por bem salvar o meu ninho, pois o da rolinha poderia ser refeito em alguma outra árvore nas imediações, ora pois! Na manhã desse dia em que a árvore seria arrancada pela raia - principalmente! -por coincidência avistei a rolinha saindo para seu labor cotidiano. Ela voou até o fio de alta tensão da rua, onde permaneceu por instantes, deu umas bicocoçadelas sob as asas, sacudiu-se toda como a espriguiçar-se e se foi.

Foram necessários dois sujeitos fortes e dispostos para o pesado encargo. Eles trabalharam praticamente o dia inteiro cortando, dando destino aos restos mortais da árvore e fazendo a devida limpeza pós tarefa árdua, o que às vezes é mais trabalhoso ainda. Efetuado o serviço, lá por volta das dezessete horas, paguei o valor combinado e fiquei a ver como tinha ficado o ambiente depois de tudo.As raízes se foram e não haveria mais a iminência de algum problema sério na casa, o muro certamente não cairia porque o peso sobre ele desaparecera, e tudo parecia estar muito bem até que, súbito, tornei a ver a rolinha. 

Arrepiei-me todo! Agora, tanto tempo já decorrido, é-me quase impossível descrever seu comportamento tamanho o desespero que a arrebatava. Ela voava em círculo, subia, descia, voluteava, entrava em parafuso, dava vôos rasantes, tremulava no ar como os helicópteros, pousava aflita no muro e balançava a cabecinha de um lado para o outro, para o céu, para o chão, ciscava na aspereza do cimento degradado, tornava a voar...enlouquecida, doida varrida, invadida pelo horror do pânico, alucinada, louca, louca... se tivesse cabelos e mãos com certeza os arrancaria angustiada com a brutalidade da agônica dor que a acometia. 

Minha cabeça zumbia como se milhares de abelhas corroessem-me o cérebro, meus olhos acompanhavam a avezinha com a mesma rapidez de seus deslocamentos desencontrados, e no auge desse interlúdio eu pude entender a razão daquele comportamento insano: ela procurava seu ninho desaparecido e não tinha como compreender as razões que o fizeram sumir juntamente com a grande árvore se ao amanhecer tudo estava lá... como, em tão pouco tempo a, aos seus olhos, gigantesca planta deixara de existir levando consigo o seu ninho? Como?
Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 27/09/2008
Reeditado em 27/09/2008
Código do texto: T1199456
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