Porque hoje é segunda
Saí da Paulista, caminhei cerca de cem metros, virei à esquerda e desci a Frei Caneca.
Saio do centro financeiro da cidade, sempre nervoso, contaminado pelo mercado, este sim à beira de um ataque de nervos a qualquer hora do dia. Conforme desço em direção ao centro velho, a paisagem se modifica, com a presença, aqui e ali, de casarões e cortiços que ainda resistem à especulação imobiliária, à predominância de arranha-céus, estacionamentos e shoppings. Passo na frente da casa de Cultura Italiana Dante Alighieri, a qual chamamos simplesmente Casa de Dante. É um belo casarão e está em reforma, muito bem conservado.
Um cursinho pré-vestibular está repleto de jovens sentados na entrada, estudando, namorando, ficando, beijando.
Os bares proliferam nesta rua, com uma freqüência enorme, mesas e cadeiras nas calçadas. De sexta-feira em diante, ficam fervilhando. Tem um que o garçon se enfeita de correntes de ouro e anéis. Figura folclórica, já saiu no jornal do bairro.
Este trecho dos bares e boates incomodam sobremaneira os moradores. A partir de quinta-feira, ninguém dorme direito com o barulho.
Chego na esquina com a Peixoto Gomide. Um homem está de cócoras, encostado no grande hotel de luxo, dizem que era do Airton Sena. Tem o olhar circunspecto, fixo num ponto à sua frente. Poderia estar meditando, recitando um mantra, rezando, ou simplesmente aquietando sua mente, esvaziando-a da tagarelice mental. Atitude tão solene nos faz prestar maior atenção na ilustre figura, como que transportada para outra dimensão, alheia ao que acontece à sua volta. Sou surpreendida por uma massa amarela depositada no chão, alongando-se pela parede do hotel.
Hoje é segunda-feira pós carnaval. A semana começou. A cidade retoma seu ritmo frenético com urgências que não dão lugar a fantasias.
06/03/2006