DESCULPA ELEGANTE
As justificativas pelos erros cometidos são divididas em duas categorias: a desculpa “esfarrapada” e a desculpa “elegante”. A esfarrapada são velhas conhecidas dos pais, maridos e esposas de supostos malandros e malandras que ao pensarem enganar alguém estão enganando a si próprios. Às vezes questionados e humilhados e mesmo assim continuam com suas versões mentirosas e descabidas. Uns sem-vergonhas sem imaginação ou respeito a inteligência alheia. A desculpa elegante não deixa a menor chance de dúvida. A pessoa mente com a cara mais lavada do mundo e a gente ainda fica com pena. Nasceram para iludir e deixar as pessoas sem rumo, atônitas como baratas ao inalar veneno. Sabemos que é mentira mas não temos como contestar, não deixam nenhuma brecha para que possamos ao menos discutir.
As mulheres são infinitamente melhores quando o assunto é se esquivar de algum deslize. São capazes de chorar sem o menor esforço e as lágrimas, vocês sabem, não convencem, porém não há quem possa resistir a elas. Acabam por deixar a razão com cara de tacho e sair cabisbaixa para seu canto. Os homens em sua auto suficiência, acham que a mulher engole qualquer desculpa pelos seus erros, os homens tem uma forma de amar esquisita, possessiva, egoísta, machista, e, por mais que se esforcem não conseguem se livrar da capa de gelo que os encobre para que não revelem seus sentimentos, salvo raríssimas exceções. As mulheres são dotadas de muito sentimento e quando amam ficam literalmente cegas. Sabem que estão sendo enganadas, mas o amor fala muito mais alto. Vivem em função de um grande e eterno amor. Por mais inteligentes que sejam, por mais intelectas, por mais bem posicionadas socialmente, não adianta, largariam toda a riqueza que o mundo possa lhes dar pelo prazer de ter a seu lado o grande e sonhado amor de suas vidas. Para melhor interpretação do que estou dizendo vou contar uma pequena passagem da vida de um fictício personagem. Vale lembrar que qualquer semelhança com fato ou nome de pessoa real é mera coincidência. (Não é desculpa para encobrir ninguém.! Ick!_).
Naquela manhã de sexta-feira, mês de dezembro, Octávio acordou pontualmente às seis,como era de costume acariciou sua amada que dormia o sono dos justos ao seu lado, beijou-a calorosamente acordando-a já ofegante e com a libido inflada. Se entregaram mutuamente ao prazer e assim permaneceram até que o abraço apertado e o caloroso beijo do gozo os fizessem relaxar com as mãos entrelaçadas e os olhos olhando para o nada sem entender o que estava acontecendo, demorando um pouco para voltarem a realidade. Octávio levantou-se como não podia deixar de ser, muito disposto e feliz, auto estima elevada, pôs a melhor roupa, perfumou-se e foi trabalhar. Estava tão feliz que não se importou nem mesmo com o enorme engarrafamento que a Cidade do Rio de Janeiro nos oferece todas as manhãs
Trabalhou o dia inteiro e tudo correu muito bem.
No final da tarde deixou o escritório com destino a seu santo lar, ia assoviando pela rua e pensando no que faria naquele final de semana, talvez uma pescaria com os amigos pela manhã, ou um futebol, uma roda de samba à tarde, um jantar à luz de velas à noite com a mulher amada e acordar feliz com um belo sol de domingo entrando pela janela. Perfeito! Isso era o que ele supunha, pois é um homem e este é o único ser do planeta que tem o cérebro como membro da parte inferior do corpo e é este órgão que determina seus passos.
Quando saiu com o carro e fez a curva da primeira esquina lá estava o problema: uma morena de tirar o fôlego de qualquer cristão, os olhos pareciam duas esmeraldas, o corpo parecia ter tirado muito tempo do criador para esculpi-lo (que Deus me perdoe), os dentes pareciam ofuscar a visão tal o brilho cintilante e reluzente que emanavam. Primeiro um olhar, depois uma buzina, o olhar mútuo e o sorriso mútuo. Já era. A atração instantânea e arrebatadora se encarregou de fazer o resto. Quando deram por si já estavam entrelaçados num quarto de motel, onde os gemidos de prazer ecoavam pelas paredes e ganhavam os ares com direção ao infinito. As horas passaram e com elas os beijos, os afagos, as carícias e a noite...
Despertaram com uma claridade pouco comum para um encontro furtivo, aí perceberam que já estava amanhecendo. Foi uma correria louca. Na confusão de pegar seus pertences a bolsa sobressalente que estava com ela foi parar no porta-malas do carro dele. Levou-a até um ponto de táxi onde ela embarcou para seu destino e saiu desesperado pensando numa desculpa para dar a amada que a estas horas já devia estar em todos os hospitais e necrotérios da cidade a sua procura. O remorso lhe doía na alma. Esmurrava o volante, esbravejava, batia em seu próprio rosto para castigar o instinto maldito que sua condição de macho lhe impunha, mas a solução não vinha. Não poderia subestimar a inteligência da esposa que ciumenta do jeito que era já tinha estratégia para qualquer desculpa e mesmo o amando loucamente no mínimo ficaria umas duas semanas sem olhar pra ele. De repente passa ao seu lado uma carro da polícia, dentro um grande amigo, um delegado , era a solução! Telefonou para o amigo e implorou, chorou, soluçou e tantos foram os argumentos que o amigo resolveu ajuda-lo. Levou-o para a delegacia . Mandou que o amigo sentasse, serviu café e ficou olhando para ele, bolando uma história convincente. De repente levantou-se estalando os dedos, acabara de ter uma grande idéia. Caminhou até a porta que dava para a carceragem e gritou: “Fofinho! Chega mais.” O tal “fofinho” era um mulato de uns 1,90m e pesava mais de cem quilos. Era uma montanha de músculos. Entrou na sala sem dizer palavra. O semblante sério parecia o mal humor em pessoa. O delegado apontou o amigo e soltou a bomba: “Mete a porrada”! Otávio ainda tentou argumentar, porém tomou um direto de esquerda no peito tão forte que fez todos os órgãos do corpo trocarem de lugar, em seguida outro na cara. Em menos de um minuto Otávio parecia um amontoado de farrapos. Chorava como uma criança indefesa.. O delegado ligou para a mulher de Otávio e contou a história que o safado o havia encomendado: “Minha senhora, o seu marido acaba de ser libertado do cativeiro em que se encontrava dentro de uma das favelas mais perigosas do Rio de Janeiro, está debilitado emocionalmente e ferido, felizmente sem gravidade, estou ligando para que a senhora venha busca-lo, mas por favor sem fazer comentários com pessoas estranhas para não atrapalhar as investigações e eu pretendo botar estes seqüestradores na cadeia ainda hoje.” Do outro lado da linha a mulher não se continha e chorava de alívio e felicidade.
Correu para a delegacia onde encontrou um marido maltrapilho e abatido. Abraçou-o como se nunca mais fosse deixa-lo sair debaixo de sua proteção e que nunca nada de mal aconteceria a ele pois ela estaria lá como uma super- heroína defendendo os oprimidos de todo o mal. Em prantos, beijou-o desesperadamente, ele tentou explicar o que aconteceu, porém ela pediu que ele não falasse nada, que tentasse esquecer o ocorrido para que nenhuma seqüela ficasse daquele momento desesperado de sua vida e faria de tudo para que ele ficasse bem para sempre.
Foram para casa onde os familiares estavam reunidos e felizes, cabisbaixo não conversou com ninguém, limitou-se a dizer que estava deveras cansado e precisava de um banho e descansar pois não tinha pregado os olhos naquela “maldita” noite.
Dormiu feito um anjo e quando acordou todo dolorido, mas parecia vítima de um atropelamento, deparou-se com a esposa contemplando seu sono como uma santa protetora protege seus fiéis. Ela com um meigo sorriso e uma voz suave disse a ele: “Amor, não quero que você tenha nenhuma lembrança deste episódio, só por curiosidade queria saber quantos eram os seqüestradores?” A mente ardilosa do malandro funcionou rapidamente: “quatro homens e duas mulheres amor, foi uma coisa horrorosa. Por que você me pergunta isso? Já prenderam os canalhas?” A santa senhora olhou dentro dos olhos dele, aquele olhar parecia uma bala de canhão. Sempre meiga e passiva respondeu:
“Não amor, é que uma daquelas temidas e malvadas seqüestradoras deixou na mala do seu carro uma bolsa com objetos que deve ter comprado em algum shoping a caminho do cativeiro. São minúsculas calcinhas, sutiens, batons, tudo que uma safada usa para seduzir o babaca do marido alheio. Acho que vou levar para o delegado, através das peças ele pode chegar mais rápido aos seqüestradores.” Ele não se deu por vencido e emendou de primeira quase chorando: “Minha filha, estou muito mal psicologicamente, pegue todas estas coisas, ponha fogo, suma com isto, deixe que a polícia cuide do resto. Não vamos falar mais sobre isto, pois tenho medo de ficar traumatizado, vêm ficar pertinho de mim, assim me sinto mais protegido.” Ela se atirou em seus braços e mesmo com o seu faro aguçado dizendo que ali tinha alguma coisa de podre preferiu aceitar a interpretação daquela engenhosa mente que conseguiu arranjar uma desculpa tão elegante que não restava dúvidas: Fora traída, mas o crime foi quase perfeito, além do mais o plano foi armado de formas a burlar sua inteligência e ele sabe que apesar de seus esforços não conseguiu e se algum dia, que Deus o livre, acontecer de pecar mais uma vez terá que pôr uma roupinha melhor na desculpa inventada, esta estava arrumadinha, porém deixou a bunda de fora.