CALOR 350

Treze anos, idade linda cheia de segredos, amores secretos, brincos, colares e pulseiras multicores, até a imagino com aquele corpinho esquio, barriquinha de fora, calça apertada e de cós baixo, unhas devidamente pintadas e elásticos segurando os cabelos alisados.

No andar, uma ginga pretensiosamente sedutora de cima de sandálias altíssima, na memória, as lembranças do movimento do ultimo baile funk, onde imperava o barulho ensurdecedor dos instrumentos, que se pretendia saber tocar, para dar ritmo às letras que cantava as mazelas das favelas, e as glorias dos narcotraficantes, e os lugares onde orgias coletivas rolavam soltas com saudações à genitália exposta a atos sexuais irresponsáveis.

Um galpão aberto por descuido do poder publico e perigosamente ativo, vara a madrugada nesse frenesi barulhento e subsidiado pelo poder paralelo, homens e mulheres de qualquer idade escravos, e dessa vez do trafico de drogas e suas obrigações cumpridas à risca, e assim, a mercê da servidão rompem a madrugada até o dia para semear o terror.

Travestida de mulher adulta, engole talvez um café servido por uma avó zelosa, que faz do dia um dever a ser cumprido com a neta, órfã das guerras vizinhas e suas balas perdidas, a morte a procura da vida.

Café sorvido, acompanhado de um cigarro comum ou incomum, fumado pausadamente, se levanta e se esquiva de bagulhos a sua frente, da um tchau sob o olhar de censura de sua avó, que sabe que seu destino é incerto, avança e rompe as distancias entre vielas, morro abaixo, ate a rua onde trabalhadores donas de casa e pais de família e afins, se utilizam do coletivo daquela rota, a 350, para irem ao encontro de seus objetivos, e onde também havia um casal que viajava unidos a seu filho, um bebe de tenra idade, que com certeza, brincavam para distraí-lo da longa e maçante viagem, sob o comando de um outro pai, ávido por cumprir sua jornada de trabalho e se encontrar com seu repouso, honestamente conquistado, ao lado de sua família amada.

Na rua, com sua sandália, brincos e tudo mais que lhe é importante e mais um dever a ser cumprido, cumprimenta um grupo de senhores escravagistas, camuflados pela penumbra da noite, e em sua posse o poder impiedoso do fogo, retidos em vasilhames diversos em forma liquida, se olham, mas não se deixam denunciar.

E aos treze anos faz aquele coletivo parar com suas dezenas de passageiros, para que seus senhores o cerquem e o invadam, e os vejam indiferentes e absorvidos em seus pensamentos em casa, amigos, trabalho ou simplesmente descansam da jornada do dia, e, portanto alheio ao futuro imediato.

Com vasilhame na mão, dezoito anos despeja o combustível e ao mesmo tempo, o condutor cede à ordem de não partir a socos e ponta pés, enquanto os outros vasilhames são derramados, por fora, nas laterais do coletivo, atônitos os passageiros se olham e com certeza a mãe abraça forte seu rebento, que também são abraçados pelo pai aterrorizado pela expectativa do terror iminente.

O fogo, todo poderoso, e ateado pelos menestréis da morte, que abre seus braços para tomar posse das vidas, que sob atropelos e gritos de horror tentam escapar de seu abraço, por janelas rompidas pelo desespero, ao encontrar as portas trancadas por seus algozes, e assim alguns empreendem fuga, com parte de seus corpos ardendo em chamas, menos cinco, e uma dessas almas, era a do rebento que partiu agarrado a sua mãe e abraçados pelo fogo ardente no pé do morro da igreja de Nossa Senhora da Penha.

E aos treze anos sente o orgulho do dever cumprido, e com certeza brincos, anéis, pulseiras novas e reluzentes, irão tilintar em seu corpo do alto de sandálias novas, no baile funk do próximo dia dois de novembro de um ano qualquer, promovido por senhores escravagista no rio de janeiro ou em outro lugar onde ardera o verbo no fogo da vingança.

DiMiTRi

7/12/2005 22:57