PAU DO SERROTE

O homem tem uma necessidade inata de viver em grupo. A isso se denomina gregarismo ou sociabilidade. Os estudiosos estão convencidos de que, para preservarmos nossa saúde mental, precisamos sempre manter um dedo de prosa com nossos semelhantes, pois o isolamento é um martírio neurotizante para a espécie “homo sapiens”.

Assim, se querem um conselho de amigo, é melhor mantermos a nossa dose homeopática de parlamentação diária a tomar remédios com tarja preta, vestindo camisa-de-força e babando na gravata...

Talvez por isso, em muitas cidades há os pontos certos de prosa. Algo que surge de uma hora pra outra. Há quem acredite até que os caminhos dos homens não se cruzam assim tão por acaso, mas isso é assunto para outra oportunidade.

Bem comparando, os pontos de prosa são iguais aos lugares escolhidos pelos gatos para se refestelarem depois de uma refeição. Normalmente, são nichos de boa energia, embora os excluídos dessas confrarias sempre digam o oposto, que são locais onde se falam da vida alheia. Puro ciúme e despeito.

O certo é que cidade boa é onde há bons pontos de prosa. Nesse sentido, lembro-me aqui de Brasília. Quando lá morava, recebi a visita de dois fraternos amigos e velhos companheiros de imprensa em Montes Claros: Arthur Leite e Paulo César Almeida.

Depois de muita prosa, Arthur Leite, que me conhecia havia décadas, virou-se pra mim, de chofre, e disse:

- Ita, como é que você agüenta morar numa cidade como esta. Não tem uma esquina onde a gente possa colocar o pé na parede e conversar...

Arthur talvez não saiba, mas aquelas suas palavras provocarem em mim muitas reflexões e mudanças. Poucos meses depois, acabei saindo da Capital Federal e retornando para Montes Claros, onde fiquei por cinco anos gerenciando o BB, e proseando muito, nas horas vagas...

Em Montes Claros, tínhamos principalmente o Café do Zim Bolão, que cerrou suas portas no início dos anos 90. Hoje, temos o Café Galo e o Skema Kent, que são os de minha predileção. Mas pululam pela cidade os locais de boa prosa e de bom tira-gosto...

Em Porteirinha, na minha infância, havia também o “senadinho”. Era onde as pessoas de prol na sociedade - as que liam jornal e ouviam rádio – se reuniam para trocar idéias sobre política e assuntos variados. Situava-se na Praça do Mercado, em frente ao empório do Sr. Sesóstris Lima, mais conhecido pela corruptela de Serrote.

Havia por lá um tronco de aroeira, parcialmente lavrado e estendido ao longo do muro lateral, que servia de assento aos “senadores”. Além disso, dois tamboretes de três pernas eram ocupados pelos “líderes de bancada” dos partidos que ali se opunham, em clima fraternal: Liobas e Gabirobas.

Serrote gostava mesmo era de se assentar sobre os calcanhares, ali mesmo na porta do empório, com seu corpanzil impedindo a passagem de quem quisesse adentrar o seu comércio. Dali, levantava-se somente para atender aos seus clientes.

Assim, era no “Pau do Serrote” – como o local ficou popularmente conhecido – que os circunspectos homens de bem porteirinhenses se aboletavam para uma prosa amiga, em duas sessões diárias: pela manhã e à tardinha.

Havia muita naturalidade nas pessoas em marcarem um encontro no “Pau do Serrote”. Todavia, em algumas circunstâncias, aquilo não soava bem, principalmente a ouvidos forasteiros. Como aconteceu, por exemplo, durante a visita de uma belo-horizontina à sua comadre porteirinhense. Surpresa com a chegada da madrinha de seu filho, dona Gertrudes, aos berros, ordenou ao pimpolho:

- Vai ver se seu pai está sentado no Pau do Serrote, meu filho. Fala pra ele que sua madrinha tá aqui...

Rubra de pudor, a comadre voltou para a capital com uma tremenda má impressão do compadre...

Itamaury Teles
Enviado por Itamaury Teles em 25/09/2008
Código do texto: T1196563
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