As magras que me desculpem

Ai que saudades da minha mulher! Foi assim que após um suspiro se manifestou um colega de trabalho. Estava eu ainda em frente ao prédio onde trabalhamos para mais um dia de labuta e sua mulher acabara de arrancar com o carro após deixá-lo ali. Franzi o cenho, torci os lábios e dei de ombros sem entender. Será que fora uma citação apaixonada? O casal estava em nova lua-de-mel, ou aquela que lhe deixara há pouco era outra ou irmã da mulher ou coisa parecida? Mas, imediatamente concluí que era a mulher dele mesmo, pois vira algumas vezes acompanhados. Mas, então me dei conta que a que deixara há pouco era mais bela, mais elegante, mais esguia, mais arrumada. E como a curiosidade aguçou, como forma de fazê-lo explicar-se, perguntei se aquela não era a sua mulher, a que havia se afastado há alguns segundos? Meu colega fez um meneio, olhou rápido para lugar indeterminado e respondeu que sim e que não. Era mas não era. Era a sua mulher, com quem casara já fazia anos, mas no momento parece que se transformara em outra. Mas como, me perguntei, sem falar para não ser indiscreto. Meu trejeito pedia maiores explicações. É o seguinte – prosseguiu o colega, querendo desabafar – há algumas semanas minha mulher apareceu lá em casa com uma receita para emagrecer. Dali em diante seu habito alimentar mudou: sopas e saladas a base de vegetais, chás, pães sem fermento, leite light, além de toda parafernália para emagrecimento. E tome caminhada à noite e cintas elásticas para apertar o tórax. O negócio começou a dar certo, perdendo ela logo de cara três quilos na primeira semana, dois na seguinte, e mais um, mais um, mais dois, mais um e meio nas semanas seguintes, perdendo ao fim de três meses mais de dez por cento de seu peso total. As outras iniciativas na sua odisséia em torno do peso levaram-na a substituir as calças de manequim 46, para 44, 42 e, pasme o colega, agora 40! É esse o atual manequim dela que você acabou de ver. Não viu – perguntou ele? Não, não percebi – respondi, para demonstrar que não me detivera em olhar a bela mulher de meu colega. Pois é, você é a exceção – continuou ele, pois quase todo mundo fica babando quando a minha mulher passa, e essa admiração deve mexer com sua vaidade, pois ela, durante o percurso de carro pela manhã, enquanto eu venho dirigindo, vem se produzindo, além dos minutos intermináveis que ela perde no quarto em frente ao toucador, para chegar ao trabalho toda produzida. É batom, blush, gloss, rímel, toques de perfume atrás das orelhas. Um dia desses eu quase desmaiei de tanto perfume no carro com os vidros fechados. As amigas e colegas dela adoram, telefonam, param e perguntam pela tal dieta, e as conversas rolam sobre essa transformação. Nos jantares, aniversários e outros eventos ela passou a ir com roupas que realçam esse novo perfil. E eu vejo que não é mais a minha mulher. Não é mais a fofinha que eu tive durante todos esses anos. Não pode mais me acompanhar nos churrascos, nas pizzas, nos sorvetes e outras comidas gostosas, deixando só eu me empanturrar. E eu me sinto até inibido e desencorajado a fazer as brincadeirinhas íntimas que eu vivia fazendo, pois agora, sua fixação é seu corpo. Ao retornar para casa diz que fulano, beltrano, colega de trabalho, alguém que ela atendeu durante o dia, se derramaram em elogios. Por isso é que lhe digo, que aquela que você acabou de ver é e não é a minha mulher. Não sabia como iria aquilo acabar e por isso tinha saudades de sua antiga, a verdadeira mulher. Aí eu entendi o suspiro feito antes de dizer: ai que saudades da minha mulher! Depois desse papo cada um foi para seu setor de trabalho e durante o dia, umas três vezes me lembrei do desabafo do colega. E me coloquei em seu lugar. Como seria se minha mulher tomasse atitude semelhante? Em nossas conversas de alcova quando ela aparece com uma camisola nova e me pergunta como está, respondo que gosto mais como veio ao mundo. Não tenho fetiches. Não me interesso por camisolas sensuais, calcinhas pretas e outras vestimentas íntimas, e digo que prefiro sua nudez. E os únicos ornamentos são seus cabelos e os pelos dourados. Nada me fascina mais do que essa “indumentária”. Dispenso perfumes franceses (talvez porque não fui acostumado) pois, gosto mesmo do cheiro natural. E quando ela sai do banho huuuuum. E gosto de suas de suas formas curvas. À noite daquele dia ao chegar em casa, após abraçar e beijar as crianças que se antecipam a minha mulher, beijei-a ternamente. Mais tarde, no quarto, quando já nos preparávamos para deitar, ela ao se olhar no espelho perguntou se não estava gorda, e que uma amiga lhe passara uma receita para emagrecer. Arregalei os olhos e perguntei – onde está, onde está essa receita que eu quero destruir! Ela me olhou sem entender. Mudei rapidamente, dei um sorriso, abracei-a por trás, levei-a até o espelho, beijei seu pescoço e sussurrei: não faça isso, eu gosto de você assim, só assim, minha fofinha! Ela fechou os olhos e eu pisquei pra mim mesmo.