Era o tempo da Ditadura.
Havia dois agentes reconhecidos da PIDE (polícia internacional para defesa do estado, treinada por agentes da Gestapo)... Um era o Bolas, outro o Cabide.
O primeiro era professor de francês, enorme, passava os intervalos a devorar bolas de Berlim (bolos fritos).
Certa manhã entrou numa aula do 4º ano, meninos que tinham soletrado o francês três anos a fio, e perguntou:
- "Comment fait le burr?"... Queria informações acerca da voz do burro (âne)... toda a sala estremeceu de gargalhadas!
O Cabide era contínuo.
Um perseguidor implacável e mesquinho, esqueleto vivo donde pendiam as ombreiras do casaco assertoado.
Um dia, em plena aula, em que se desfazia em mesuras diante da S'tora (era como tratávamos a professora, abreviando Senhora Doutora)... Eu, nas carteiras da frente, enjoada com tais maneirismos, deitei-lhe a língua de fora.
A S'tora viu!
- Maria: Rua!
Ai que baque no peito!
Enfiei-me na casa de banho, ajoelhei-me a rezar até tocar a sirene, apavorada: Se tiver falta por mau comportamento o meu pai mata-me!
Não tive falta.
Já constava que eu tinha problemas em casa e, afinal, ninguém gostava do Cabide nem um bocadinho!
Se calhar a S'tora também tinha vontade de lhe deitar a língua de fora!