Dá licença, loirinha, que esse gingado é da mulata...
Quem ler esta minha crônica, deve pensar que gosto de mulheres. Não gosto. Costumo dizer que gosto tanto de homem, que se nascesse homem, seria gay! Gosto de homem e de justiça, por isso defendo as mulatas.
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Devia ter um sete a oito anos quando fiquei fascinada por samba e pelo Carnaval. Adorava assistir aos desfiles de Escolas de Samba. O que mais admirava era o jeito como a mulata sambava. Não havia outra mulher, a não ser a negra, que gingasse assim como ela. Do outro lado da tela da tevê, ficava tentando, em vão, imitar seu rebolado. Cresci com o respeito por elas e a certeza de que, não há no mundo, mulher de outra raça que saiba sambar com tanta cadência como a mulata ou a negra. Possa afirmar isso, pois sou branquinha e mal sei dar um passo.
De alguns anos para cá, a mulata foi perdendo espaço dentro das escolas de samba. Elas eram a sensação, o destaque. Todos queriam ver o requebrado da mulata. Agora foram substituídas por atrizes brancas, modelos loiras, cantoras morenas e até mesmo (pasmem!) por ex-BBB! Acho uma lástima isso. Era tradição das escolas ter como destaques filhas da comunidade. Muitas vezes vi meninas entre onze e dezesseis anos se preparando para disputar a vaga de Madrinha de Bateria e depois receberem a frustrante notícia de que aquela atriz ou modelo loira ficaria em seus lugares. Desilusão... Sonhos desfeitos. Chego a sentir a tristeza dessas meninas que esforçaram por tanto tempo e não serem as escolhidas.
A mulher branca já tem espaço suficiente durante o ano inteiro, seja na televisão, em jornais ou cinemas. Acho injusto que privem essas meninas mulatas e negras de brilharem no Carnaval com aquele talento que lhes é peculiar: sambar com gingado, elegância e carisma.
Infelizmente o Carnaval mudou muito. Ontem era festa para alegrar o povo. Hoje virou uma empresa de marketing, onde o que prevalece é o interesse em atrair a atenção da população pelo número de atrações como atores, cantores ou modelos em seus desfiles. Carnaval já não é mais aquele em que o principal objetivo era levar para a passarela, para avenida, o talento de seus membros, filhos da casa e mostrar ao Brasil e ao mundo, um belíssimo espetáculo de alegria, simpatia e arte.
O Rio está precisando restaurar os valores. Valores éticos na política; valores morais nas famílias e valores tradicionais nas Escolas de samba... Espero ver o Carnaval a voltar a ser um espetáculo de cultura, de raiz e para o povo, para as comunidades. Certamente era muito mais bonito.
A maior beleza é a da arte. Até o Príncipe Charles cedeu aos encantos da negra Piná.
É por isso que digo,suavemente, com jeitinho carioca que me é natural:
- Dá licença, loirinha, que esse gingado é da mulata...