Pequenas lembranças que se conservam na memória
No meu mundo de criança, aquela era uma casa encantada. Nela havia luzes, cores, e mistério...
Casa de muitas salas, muitos quartos, um porão de onde se ouviam certos ruídos; nele, eram guardados objetos que podiam ser vistos de fora, pela entrada do jardim. Eles pareciam estranhos!
O quarto de minha avó era grande, com duas portas uma ao lado da outra. Tudo era mágico pra mim; até o fato de haver essas duas entradas num mesmo quarto! Qual a finalidade daquilo?!
Aquele não era o quarto das brincadeiras; havia ali os guardados de minha avó, algumas gavetas fechadas à chave e, acima de sua cama, a estampa de um São José que permanecia sempre olhando para mim. Recordo do meu medo a ele... Existia, também, embaixo da cama, um urinol de louça todo desenhado, lindo! Tinha até tampa! Na verdade, ele compunha um conjunto, com outros objetos (um jarro e uma bacia) que ficavam em cima da penteadeira. Nesta, ficava ainda um pequeno copo de alumínio com água. Pra quê? Ora, para umedecer o pente de osso e melhor pentear os cabelos. Eu achava aquilo muito prático!
Um dos cômodos da casa vivia fechado (isso metia medo!); era uma sala de visita. Eu olhava pela greta e via, em suas paredes, retratos de pessoas sérias, que nunca vira antes; na penumbra, pareciam seres fantasmagóricos, olhando para mim de maneira acusatória!
No centro dela, existia um conjunto de palhinha: um sofá, duas poltronas grandes com braço, seis cadeiras e uma mesinha alta. Em cima desta, ficava um cachorro amarelo de louça. O que havia de tão misterioso para não se poder entrar e por que as janelas estavam sempre fechadas?
Um dia, contaram-me que, ali, ficavam os mortos. A partir dessa descoberta, tive mais medo ainda!! Anos mais tarde, quando minha tia faleceu, descobri ser isso a pura verdade... Os velórios eram realizados naquele local. Será que o retrato de minha tia iria para parede, então?
Morava naquela casa: minha avó; uma prima criada por aquela tia cujo retrato já havia sido pendurado na sala de visita; e uma pretinha, de nome Aparecida, cria da casa. Sua mãe fora embora e deixara a menina com minha avó. Ela era muita engraçada. Todas as tarde ajoelhava-se diante do rádio (não havia televisão, na época) para rezar o terço, na hora da Ave-Maria. Alto, orava o que se esforçara para aprender. Só que, na hora de dizer “do vosso ventre, Jesus”, falava “do ventre virado, Jesus”. Por causa disso, era sempre, rispidamente, convidada a se retirar da sala.
Eu tinha, então, uns sete anos e nunca mais esqueci aquela cena, repetida sempre, apesar dos ensinamentos. Impossível não lembrar a cara da pretinha com seu riso disfarçado...
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Dedico estas lembranças ao amigo que nunca vi, mas que me incentiva com palavras carinhosas.
Namastê para você, amigo!
Lisyt