Tem gente que não fecha o portão.

 

     Minhas vizinhas, duas casas para cima, não fecham o seu portão. Dia  nenhum. Tem gente que não fecha o portão e eu acho uma sacanagem. nenhum. E eu passo e fecho e elas voltam e o encontram fechado e não se mancam. Acho que nem notam. Continuam deixando aberto. Mas não pensem que eu sou de intrometer na vida alheia, que não sou. Nem que tenho toc como o Monk e saio pelas ruas fechando portões alheios. Cada um sabe de si e nem noto se portões estão abertos ou fechados. É que esse é um portão especial e ele se abre para fora. Então fica lá, todos os dias, escancarado, a folha aberta ocupando toda calçada, forçando as pessoas a descerem para rua ou... a fecharem o portão, como eu faço. Velhos e crianças, deficientes visuais, como meus irmãos, todos têm que descer para a rua. Vem uma criança correndo e Bum!...o choque é inevitável. O carro sobe em alta velocidade e quase atropela o velho distraído. Ao virar a esquina, encontro a Rua Gastão Maia e ali era pior. O portão que sempre ficava aberto era o de uma garagem. Eu fazia a mesma coisa e não adiantava nada. Até que os moradores se mudaram e Isabel veio morar ali. Melhor explicando, montou seu negócio ali. Eu contei a ela   o problema e fui compreendida. Nunca deixou o portão aberto. Eu já falei de Isabel em outra crônica: O tapete de Isabel. Isabel não deixa o portão aberto, mas faz outras coisas que até Deus duvida. Ela estende seus tapetes na calçada. Isabel decora igrejas para casamento e ela põe os tapetes em que o cortejo nupcial segue até ao altar para tomar sol na calçada. Eu nem ligo, passo por cima. Mas a maioria, temendo sujar o tapete, desce. É uma rua estreitinha e as pessoas ao descerem ficam a mercê da velocidade dos carros. Isabel às vezes também coloca móveis do lado de fora. E outras coisas mais, como latas de tinta, que são atropeladas e esguicham tinta para todos os lados. Esta semana a coisa piorou. Os vizinhos do outro lado da rua podaram algumas árvores. E jogaram os galhos em sua calçada e a coisa ficou lá a semana inteira. Ainda estão lá. O que agrava o problema é que nessa rua, a Gastão Maia, praticamente só tem calçada de um lado. Para acertar a rua, já que a casa de esquina é muito velha e ocupa quase a rua toda, a calçada foi se estreitando até praticamente acabar. Então, um lado da rua é sem calçada e o outro vive ocupado. Todas as vezes que passei ali nesta semana e faço isto pelo menos quatro vezes ao dia, sinto ganas de pegar os galhos e jogá-los através do muro. Mas o muro é alto e provavelmente os galhos voltarão como boomerangs atingindo minha própria cabeça. Sou brava mas não sou burra. Sou doida, mas nem tanto.

 

        Eu gostaria de saber o que se passa na cabeça de certas pessoas que não têm nenhuma preocupação social. Está certo que todos são jovens, moradores das famosas Repúblicas, mas isso não justifica a falta de civilidade. Não fariam isso na casa de seus pais. São estudantes que vieram de outras cidades em busca de seus diplomas em uma das quatro escolas deste nível que existem aqui mas se comportam como débeis mentais. Esta situação acontece em quase toda a parte. Se existe uma República instalada, os problemas são inevitáveis. Desrespeito a Lei do Silêncio. Desrespeito a moralidade pública. Dia desses soube de um que foi tomar café em minha fábrica de pães... de cuecas. Por mais que eu ria e até ache engraçado algumas situações, fico preocupada. Que tipo de profissionais serão esses jovens? Que tipo de políticos?

 

       Eu não me esqueci de quando era jovem. Eu não me esqueci do que é ser jovem. Mas sempre me preocupei com o outro. A minha liberdade termina onde começa a do outro. Mas não aceito que invadam meu espaço. Não aceitava antes, quando era jovem, agora que sou fruta madura, quase caindo do galho é que não vou aceitar mesmo. Se amanhã os galhos ainda estiverem lá, juro que vou tomar uma atitude.