Estórias de beiras de fogões

Gameleira frondosa na porta da casa... Água fresca na bica pra enganar a canseira. Logo, o aconchego da cozinha, lugar sagrado onde todos os elementos naturais se encontram. A fumaça do fogão de lenha é constante, parte da parede e do teto empretejados, sinal de que a foligem é testemunha de muitas estórias.

Sr. Simino é o dono da sede. No seu rosto a marca de muitas primaveras, verões, outonos... Sete filhos (a contar de um que morrera logo que nascera). José, o filho solteiro que vive com o pai, conheceu a esposa quando esta estava viúva (perdera o primeiro esposo atacado por cascavel). “ Eu topei tudo feito”, disse ele. Produção de açúcar no engenho, “era mió que hoje, era munido de trem, fartura; jogava fora o arroz véio pra colocar o novo na tuia”. Buscavam em Uberaba sal e querosene. Plantavam constantemente, não tinha bicho, contratempo para as plantas.

O engenho que data de 1869 era movido pela força de bois andando em círculo. Assim, extraía-se o caldo da cana. Não há como esquecer o triste episódio em que um dos seus filhos teve o braço moído com a bagaceira da cana. As mulheres, envoltas em cantorias, faziam mutirão para fiar. O algodão era tingido com frutos ou sementes. Dinheiro era até esquecido, ficava guardado no bolso de algum paletó por muitos anos. Sem contar o desassossego após a morte dos que enterravam bens de valor. A casa do dito cujo ficava assombrada, só mesmo a valentia de um “requere” para descobrir o local escondido e apaziguar a inquieta alma.

Havia as “dificurdade” também: doença, buscar remédio em Bela Vista (a cidade mais próxima), viajar de dois a três dias de carro de boi para enterrarem seus mortos em Aparecida de Goiânia, relembrar a rígida educação da infância: “se apanhá morrisse, eu tinha morrido”.

Bom mesmo eram as folias. Com o pouso garantido, a festança ia até o amanhecer. Na chegada, uma farta janta, depois a reza do terço e por derradeiro o mais esperado: o pagode. O “regente” era quem manobrava, mandava buscar as violas para a catira. O “servente” servia a bebida e a comida e era o que vigiava pelas instruções do dono da casa; se este não permitisse, não poderiam sentar-se juntos, o moço com a moça. “Não tinha a mansidão que tem hoje, o namoro era de longe, os pais custavam a saber”. O sol da manhã avisava a hora da despedida. Com os cavalos bem arriados, o pessoal saía cantando, “coisa mais bonita de se ver”, alguns se emocionavam relembrando a ausência de companheiros/as que a morte levara e temendo este mesmo triste destino para si.

Estórias de Sr. Simino... num tempo em que cada boi atendia pelo nome: Rivirado, Notão, nome de prefeito, Rivirão; em que eram tomadas as terras sem documentação – “eles mandavam, não pediam”; em que lobisomem, bicho do mato e caipora eram os males mais temidos.

“É um prazeroso”, Sr. Simino!

Lígia Martins
Enviado por Lígia Martins em 21/09/2008
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