O Grito

( inspirado na pintura de de Edvard Munch “O grito” )

Um grito calado vibrando nas ondas… Cada passo é o reencontrar da ausência e será sempre o mesmo sonho desbotando o céu liso.

Há sombras de multidão rodopiando o corpo que passam sem perceber o gesto de pânico e a dor. Não era um pedido de ajuda, nem uma exibição teatral, mas mais um suspiro profundo que se ateia no vento a que a sociedade responde com letal indiferença. Voltam as costas, olhando o horizonte tingido de escarlate e nem por um momento sentem o sofrimento de quem se cruza no seu caminho.

Talvez, pensem que é mera perda de tempo tocar o rosto de alguém e ouvir as suas palavras frágeis e melancólicas. O desespero envolve-lhes a pele como um sopro da brisa, quase imperceptível! Julgam que a tristeza é uma procura egocêntrica de olhares e uma forma de sobreposição ao esquecimento. Pudessem eles então acender cidades com lágrimas fingidas, pois a profunda mágoa esbatesse na escuridão!

Tão frágeis e demorados são os movimentos é como que a morte embalasse o tempo numa sinfonia áspera… Esse perfil de palidez eterna fortalece o espírito de quem passa e desenha fúria de viver nos seus lábios. Ou não se deliciassem eles com o tormento alheio, não evocassem o egoísmo sobre trágicos murmúrios. Os erros e o vazio angustiante que lhes cobrem a pele desfazem-se sobre a respiração agitada.

As mãos percorrendo o silêncio, envolvidas no mar largo… Como apetece ser livre e atirar o eco da voz sobre o crepúsculo. A noite, o secreto luar, cobrem as veias de personagens e ocultam o medo de enfrentar a realidade. Chamam ilusão e loucura à vontade de perpetuar o sono, à crença na própria morte… Pudessem eles perderem-se dentro de si próprios, divagarem sobre labirintos intermináveis e provarem o acre da solidão, pois, de imediato, odiariam a existência!

São tão frios os seus teoremas, as suas certezas… Julgam que a dor se suplica aos Deuses e que se aloja no sangue porque se pretende inventar reflexos por detrás das lágrimas. A distância que se ateia entre esses dois mundos quebra o afecto e esculpe feridas que permanecerão…Não fosse o pensamento deles injusto e preconceituoso que considera a faculdade de sentir similar à de ser perfeito.

Uma espera que se eterniza sobre os búzios e este grito que não se quebra, disperso nos sentidos…O voltar da multidão, porque o corpo não cabe entre eles.

Cláudia Borges

Cláudia Borges
Enviado por Cláudia Borges em 21/09/2008
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