GESUBAMBINA
(Série: confessionário de bar)
“Os nomes muitas vezes são a cara e a personalidade das pessoas. Não é o meu caso, como não é dos meus pais biológicos. Meu pai é desde sempre um boêmio, cantor de barzinho, de voz enrouquecida pela intempérie, boa vida. É eternamente um “duro” que viveu sua juventude à custa do charme e da virilidade. Ainda hoje, mesmo desgastado, consegue arrancar mais do que suspiros das antigas namoradas. Seu nome deveria subscrever os convites para os cultos ou missas de domingo: José Maria do Espírito Santo, apelidado pelas amantes e os amigos, colegas de copo e de cruz de “Santinho”. Pode? Pobre, paizinhoi!
Contra-senso não anda só. Não bastasse este, encontrou numa de suas tantas noitadas uma ruiva diferente das que costumava vencer pelos olhos ou pelos ouvidos. Custou mais do que um encontro, algumas rosas e muitas canções dedicadas. Um dia ela se entregou. Nesse dia conta que se amaram tanto e com tal entrega confinados que se finaram à míngua. E despercebidos, sem planos, quando sequer sabiam o que seria da manhã seguinte, eu começava a minha caminhada em direção à vida.
Minha mãe segurou meu pai com grilhões de sedução até a primeira percepção da transformação física. Logo-logo, entretanto, chocado ele foi embora deixando-a parada, pregada na pedra do porto. Mas ela também era dessas que apequenam o mundo e nem teve tempo de me ninar cantando cantigas de cabaré, embora tivesse, e este é o contra-senso parceiro, o que muitas candidatas a santa gostariam de ver escrito na sua certidão de nascimento. O nome: Maria de Jesus Purezza.
Eu nasci e sequer cheguei ser amamentada. Fui para a roda dos enjeitados e depois entregue a um orfanato cuidado por religiosas, onde cresci em meio a rezas e privações.
Meu nome, não sei se por ironia ou se por amor é quase uma homilia: Angélica Purezza do Espírito Santo. Mesmo que corte pela metade, faça conjugações diferentes não tenho saída, serei sempre olhada num primeiro momento com impacto e quase reverenciada como uma santa, embora distante disso. Minha vocação para a vida mundana, atavismo puro, contraria minha formação religiosa e quase agride minha identidade civil.
Depois de rejeitar o hábito por culpa de uma paixão incontida por um frei da minha igreja, fui cuidar do meu destino passando a conhecer aonde os exageros podem levar uma pessoa.
Hoje trato de patologias espirituais. Gosto das gentes das ruas, das noites para observar e colher. Não fosse a necessidade de trabalhar no que escolhi e que me faz andar de dia, escolheria a madrugada para viver. Elegi um hino que resmungo quando só: a música Menino Jesus, do Chico, porque me parece biográfica. É a minha vida revisada e cantada pelos olhos verdes e a pouca voz do melhor de todos.
Santinha”.