imagem retirada da internet 

 

O NINHO DE UM NARCISO 
 
A vida nos brinda com a surpresa de alguns momentos de alegria jamais sonhados por nós. Coisa boba. Coisa pouca. Mas são momentos capazes de nos fazer rir, de ficarmos curiosos, de nos tornarmos criança e caminharmos pé ante pé para não cometermos a imprudência fatal de deixá-los ir embora antes do tempo.
 
E foi assim, uma coisa boba, uma coisa pouca que esperava por mim, quando cheguei à varanda de minha casa para olhar uma árvore, plantada na calçada, moradia temporária de muitos passarinhos migratórios.
 
Está chegando a primavera e, nessa época, as árvores se desnudam e preparam-se para se enfeitarem de flores.  Os sabiás já se mudaram para as árvores nascidas no meio do bambuzal que plantei há muito tempo atrás, em cima de um muro de arrimo, no meu quintal. Os galhos pelados só estão servindo às maritacas fofoqueiras nas suas reuniões diárias. E haja fofoca. Um dia ainda aprenderei o “maritaquês” só pra saber “o que se sucede”. De uma coisa eu sei, elas estão armando “alguma” para um gavião carijó intruso, de vôos perfeitos, cuja presença não é bem quista.
 
Pois é, na minha santa ignorância “florestal”, passei  a ser quase uma fiscal dessa árvore. Há dias eu observava os galhos nus da arvore, porque descobri, no seu topo, um ninho enorme. Fiquei imaginando se ele havia sido abandonado ou se havia algum morador dentro dele..
 
Começou a época de chuva e a minha preocupação era se aquele ninho poderia resistir a um temporal com ventania forte, ou mesmo a uma chuva mais leve. Isso me incomodava. Fiquei imaginando como sobreviveriam os pequeninos passarinhos recém-nascidos deixados sozinhos no ninho, enquanto seus pais buscavam comida.
 
Volta e meia eu estava lá na minha varanda fiscalizando o ninho, para ver se existia algum movimento diferente por ali. E nada de pio.  Nada de mãe e pai passarinhos. Nada de nada. Silêncio total. Barulho mesmo, só na hora da fofoca das maritacas.
 
Ficou claro para mim, que o abrigo fora abandonado. Talvez quando as flores nascessem outros moradores se apossariam dele, até porque pelo formato me pareceu ser bem confortável e protegido.
 
Porém, a vida resolveu me fazer uma surpresa. Eu já até havia me esquecido do ninho. De repente, ouço um pio diferente e muito afinado. Procuro nos galhos da árvore algum passarinho e não o encontro. Ao olhar para o ninho, vejo uma cabeçinha de olhos curiosos analisando-me. Mais meio corpo para fora de um buraco apertado, mais outra analisada. Resolvo me fazer de estátua, somente os meus olhos se movem, para ver qual
a reação daquele bichinho cantador e encantador de penas azuis.
 
Mais um empuxo e lá vem ele em minha direção. Fico tensa, porque morro de medo de bichinhos de asa, apesar de adorá-los na natureza. Fico imóvel. Ele pousa na grade, canta alguma coisa e me olha mais uma vez.
 
Eu imóvel falo com ele: estou com medo de você. Ele nem me dá bola. Talvez no seu canto ele tenha me perguntado alguma coisa do tipo “posso chegar?” E deve ter entendido que podia quando eu lhe disse do meu medo.
 
Não deu outra. Ele pousou no meu ombro como se fosse um amigo intimo. Eu nem olhava para os lados, com medo de levar uma bicada nos olhos. Ele não estava nem aí para os meus sentimentos.
 
Caminhei até o portão como um robô. Dura e rígida. Foi quando ele resolveu pousar no retrovisor do meu carro. Fiquei aliviada ao vê-lo sair do meu ombro. Eu estava emocionada, mas morrendo de medo.
 
Aí veio a surpresa maior. Ele baixou a cabeça e se viu no espelho. Ficou desconfiado. Levantou a cabeça. Olhou para os lados e novamente baixou a cabeça e se viu outra vez no espelho. E fez isso várias vezes. A cada levantada de cabeça ele cantava por alguns segundos.
 
Não satisfeito, ficou voando de frente ao espelho. A princípio, eu não sabia o que lhe deixava tão curioso. Se ele pensava ter encontrado outro passarinho de sua espécie, se era curiosidade mesmo, ou se havia nascido, no ninho da árvore de minha calçada, um passarinho narcisista.
 
Ele ficou tão alegre e empolgado e sua beleza azul tão sedutora, que com o coração na mão e um enorme medo eu me aproximei dele para não deixá-lo se machucar dada a sua euforia.
 
Coloquei a minha mão devagarzinho sobre ele e ao segurá-lo, pude sentir seu coraçãozinho disparado. Abri o portão e o levei até à arvore.
 
Bobagem minha, Ele saiu voando em direção aos retrovisores dos carros estacionados na rua. E em todos eles, se exibiu majestosamente na frente dos espelhos, feliz da vida.
 
Chamei meu filho Rafael e a sua namorada Carolina para comemorarem comigo esse momento “brinde” da vida, coisa boba, coisa pouca, coisa bela do passarinho que se deu o próprio nome de Narciso, é claro.