Cochilos e retroses
Itamaury Teles
Em toda profissão encontramos pessoas que gostam do que fazem, são eficientes e eficazes e não perdem oportunidade de prestar um bom serviço. Mas há também, em bom número, aquelas que até pagariam para não ser incomodadas. Estas são indolentes por natureza e não querem nada com o trabalho. A pasmaceira nas pequenas cidades norte-mineiras acaba por contribuir com essa frouxidão quase endêmica.
Pois falaremos, aqui e agora, dos comerciantes pouco afeitos ao trabalho, que gostam mesmo é de se esparramarem sobre o balcão da venda ou da loja. De lá, ficam dispensando fregueses que queiram tirá-los da inação, da modorra, para comprar quinquilharias, tipo pedra de binga, pavio de lamparina ou meia-dúzia de alfinetes. Principalmente depois que retornam do almoço. Nessa hora sagrada, quando o calor aperta, querem mesmo é cochilar ou, no máximo, prosear, entupindo o narigão de torrado e ficar lá espirrando feito um alérgico a poeira...
No filme “Cabaré Mineiro”, do cineasta montes-clarense Carlos Alberto Prates Correia, há uma cena inesquecível que mostra um desses típicos comerciantes acomodados. Ele aparece refestelado sobre o balcão, na hora da sesta, tirando uma soneca. Nessa hora, não se levantava nem mesmo para adoçar a boca com um naco de rapadura, a título de sobremesa. E olhe que a rapadura estava amarrada num barbante justamente sobre sua cabeça. Mas não posso contar como fazia para edulcorar o “gosto de cabo de guarda-chuva” da boca. Para não quebrar a surpresa e por não estar autorizado. Mas que é uma cena antológica, digna de prêmio, isso é.
Já escrevi também sobre os comerciantes de Riacho dos Machados, que se reúnem diariamente, à sombra da igreja, de onde podem ver a chegada dos potenciais clientes em suas lojas, no largo da igreja de Santo Antônio. Como são muitos e os lugares para se assentarem poucos, os tamboretes são disputadíssimos. Daí porque, dependendo da cara do freguês, dispensam-no de lá mesmo, com um “tem não” esgoelado e um negaceado aceno de mão. Após, justificavam aos seus pares:
- Vê lá se vou perder meu lugar aqui pra vender um retrós...
Falando em retrós, chegou-me ao conhecimento que um outro comerciante, de Janaúba, balconista dorminhoco militante, fez de tudo para não atender a uma mocinha que chegara ao seu estabelecimento, tão-somente para não sair do estado letárgico em que se encontrava, no pós-almoço.
A cliente já chegou acordando o comerciante, aos gritos:
- Tem linha 40, “seu” Totone?
O comerciante, ainda deitado, respondeu meio sonolento:
- Tem não. Só tem 30.
A mocinha pensou, pensou e resolveu levar aquela mesmo.
- Então, pode ser 30 mesmo...
Querendo dispensar logo aquela indesejável cliente, Totone foi além:
- Que cor que cê qué?
- Preta – respondeu rapidamente a moça.
E Totone, mais uma vez, ansioso para voltar ao cochilo, tentou dar o xeque-mate:
- Tem não. Só tem branca...
A cliente, não querendo perder a viagem, reformulou o pedido:
- Então, pode ser branca mesmo...
Preferindo jiboiar a feijoada do almoço a atender a moça, Totone retrucou:
- Cê qué carretel ou retrós?
E a cliente, sem desistir:
- Carretel...
E Totone:
- Tem não. Só tem retrós...
- Então pode ser retrós mesmo – respondeu resoluta.
Só aí, vencido pela insistência da cliente, o comerciante preguiçoso resolveu levantar-se do balcão e apanhar o retrós solicitado. Mas saiu resmungando:
- Eita minina chata...