Caixinha de cartas...
Abriu a janela como se não fizesse questão de voltar a ver o mundo, fazia frio lá fora, o mundo era tão cinza quanto tudo aquilo que ele projetou para si mesmo, ficou pensando como seria continuar uma vida sem fé e sem futuro, mas ele era forte, continuaria mesmo que o mundo todo conspirasse contra, mesmo que a vida toda não passasse de uma batalha mal sucedida, e que a dor não largasse nunca mais aquele olhar azul, cabisbaixo, de quem vive há anos buscando algo que nunca encontraria, ou que talvez até tenha encontrado, mas que desistiu por um medo de fracassar e não parecer bom naquilo que todos pensavam que ele era o melhor, mesmo sabendo que o maior fracasso foi desistir.
Abriu a gaveta e começou a reler algumas cartas, da época em que pensou ser feliz, algumas letras baratas e românticas de musicas cantadas ao pé do ouvido, algumas juras de amor eterno acompanhados de fotos em preto e branco, que o tempo estava aos poucos consumindo, daqui alguns anos elas se dissolveriam e virariam pó, assim como ele também viraria, assim como tudo na vida virará, releu algumas cartas, tomou algumas tequilas, chorou toda a dor que aquela alma continha, se arrependeu por não ter feito nada pra salvar aquele olhar, e rezou. Rezou para que em uma tarde de inverno qualquer encontrasse seu estado de felicidade novamente, e que mesmo que nevasse na cidade inteira, dentro dele fizesse verão, rezou para que pudesse abraçar novamente aquele corpo que um dia ele pensou ser seu, mas que no fundo, era uma esquiva de uma realidade infeliz.
Sentiu vontade de botar fogo naquela caixa de lembranças sujas de quem um dia já amou, vontade de queimar todo sentimento reprimido e amargurado de quem foi destroçado pela paixão, ou até mesmo abrir a janela e pular, abraçado com as cartas, para que quando seu corpo fosse achado todos soubessem que ele morreu por amor, mas do que adiantaria tudo isso?Fugir da dor dói tanto quanto encará-la de frente. Fechou a caixa de cartas e a guardou, no fundo de um baú, com algumas cobertas em cima, para que assim a dor não fosse visível, para que só pudesse sentir dor quando ele a procurasse, talvez passassem anos e ela ficasse lá, guardada, quietinha, talvez vendesse a casa e deixasse a dor lá, pintada em paredes em tom salmão, ou escondida dentro de um baú, para que se assim o novo proprietário achasse e pensasse que quem morou ali realmente foi feliz, e publicasse as cartas com um título que falasse sobre eternidade, mas mal poderiam saber que aquela caixinha continha toda a dor do mundo, chorou mais um pouco e dormiu, na certeza de que amanha seria outro dia, e que ali dentro daquela casa iria acordar um cara que guarda a dor no baú, e que um dia foi feliz...