Estar no lugar certo na hora certa
Na noite anterior, Luís foi dormir cedo; pois na manhã seguinte iria encarar a fila da previdência social. Precisava resolver uns trâmites para que seu pai, que estava doente, desse entrada no seu benefício.
Acordou cinco da manhã. Queria chegar bem cedo, para resolver logo o problema e voltar para casa. À noite tinha de trabalhar. Colocou biscoito na bolsa, pegou uma revista e, também, seu MP4. Assim o martírio passaria mais rápido.
Chegando lá, a fila já estava grande. Parece que as pessoas passam á noite nessas filas para serem atendidas.
Às 10h00min., foram abertas as portas do pandemônio. Luís pediu informação ao simpático funcionário que viera abrir a porta principal para a multidão entrar:
— Bom dia!
— Bom dia! — respondeu entre os dentes o funcionário simpaticíssimo.
— Eu vim resolver um problema no tempo de contribuição de meu pai. Onde resolvo isso?
— É naquela fila ali. É só pegar a senha.
Luís se dirigiu ao local pegou a senha, ligou seu MP4, abriu a revista e começou a esperar.
Três horas depois, a menina do balcão de atendimento apertou o botão e seu número apareceu no marcador eletrônico. Ele chegou até ela e disse:
— Vim resolver um problema no tempo de contribuição de meu pai.
A funcionária com a maior frieza e calma do mundo respondeu:
— Não é aqui nesse balcão que o senhor resolverá isso. Dirija-se para aquela pequena fila ali.
Havia em torno de umas cem pessoas. Realmente era pequena, já que havia a metade do número de pessoas na fila anterior, na qual ele estava.
Um pouco impaciente, perdeu a vontade de ouvir música e ler. Com isso o tempo nessa nova fila não passou tão rápido.
Uma coisa o consolava. Vou resolver esse problema hoje para o meu velho. Nem que eu passe mais duas ou três horas aqui. Mas saio com essa solução. Então poderá dar entrada em seu benefício.
Parece que ele estava adivinhando. Após duas horas na fila, sua nova senha foi assinalada no marcador eletrônico. Ele Chegou até a nova funcionária e disse:
— Ufa! Até que em fim! Olha só, meu pai está com um probleminha no seu tempo de contribuição. Então eu vim aqui para resolver.
Ela sem dó e piedade do pobre coitado do Luís respondeu:
— Isto é lá no segundo andar. Sobe aquela escada ali à direita. Pegue a sua senha e aguarde o atendimento.
Luís indignado, não quis externar seus sentimentos. Afinal seu pai estava doente, precisava dele. Precisava que ele resolvesse esse pequeno problema que se tornara grande. Não podia xingar todo mundo e deixar o seu pai na mão. O velho talvez não pudesse mais trabalhar. Sua idade e tempo de serviço lhe permitia se aposentar. Mas era preciso transpor essa muralha que apareceu diante dele.
Dirigiu-se a terceira fila. Pegou sua senha e olhou o relógio. Eram exatamente 15h15minutos. Estava no ápice do número de pessoas para serem atendidas. Por isso se deparou com uma fila razoavelmente cheia.
Pegou seu número 754. O atendimento estava no número 603. Olhou as pessoas em volta. Muitas delas reclamando e se exaltando por causa do tempo na fila. Ele não mais se importava com o tempo. Queria apenas estar no lugar certo.
Talvez algumas pessoas tenham desistido. Isso realmente estava acontecendo. Muitos números no marcador eletrônico eram assinalados, mas ninguém se dirigia ao guichê. Nem todos são perseverantes como Luís.
Após alguns minutos — e põe minutos nisso — Luís foi chamado. Ao chegar ao guichê, disse:
— Eu estou aqui desde que essa mer... abriu, já são quatro da tarde e eu não consegui resolver meu problema. O meu pai está doente. Já contribuiu o tempo necessário para se aposentar. Só que há um erro no sistema. O seu tempo de contribuição está errado. Eu vim para resolver.
— Senhor, por que o senhor não se informou antes sobre o local. O setor que cuida disso fica no primeiro andar. É o local mais vazio. Geralmente as pessoas não passam meia hora lá.
— Muito obrigado. Deixa eu ir logo lá, pois tenho que ir trabalhar. Estou muito chateado, mas não tenho tempo para discussão. E se for esse mesmo o tempo de atendimento, consigo chegar a tempo no meu trabalho.
Luís desceu correndo os degraus da escada. Chegou ao setor viu umas oito pessoas. Não acreditou. Foi direto no balcão de atendimento, para se informar. Era inacreditável. Um setor tão vazio.
— Senhora, senhora, é aqui que eu resolvo um erro no tempo de contribuição de meu pai.
A moça o olhou. Viu sua cara de cansaço e faminto, pois comera apenas um biscoito que havia levado. Respondeu:
— Sim. É aqui sim. Mas hoje não distribuímos mais senhas. Eu peço que o senhor volte amanhã e procure estar no lugar certo na hora certa, por favor.