CANDIDATO INFLAMADO

Candidato inflamado

Bateram à porta com insistência. Instintivamente, me afastei, sondando outras possibilidades, que não fosse àquela, aterradora, de me deparar com o desconhecido, de me defrontar com a expectativa do outro, que via de regra não é a minha. Uma visita inesperada, fora de hora, sem qualquer aviso em vista de necessidade premente de comunicação; o pedido de dinheiro, por um ser humano alterado na própria concepção de humanidade, onde olhos vermelhos se fundem em olheiras doídas, demonstrando mais humildade do que possui, obedecendo ao ritual interior produzido pelos desejos involuntários do vício, via de regra, aliado ao ato de roubar. Talvez um pedido de comida, este sempre melhor aceito, embora menos freqüente, quase sempre acompanhado da possibilidade de arrecadação extra, financeira. Ou a venda indecente de revistas religiosas e todo o vocabulário próprio, cujas expressões gastas e repletas de castigos já não atingem a alma de quem apenas aspira seguir a própria fé, ou não. Quando muito, atingem a piedade do zelo dos vendedores, quando não extrapolam o bom senso e a paciência do comprador. Uma outra investida em nossa porta, pode ser a entrega da revista ou do jornal, estes com auspiciosos desejos de desvendar o mundo, ou o que dizem dele, desde que não se aceite na sua integridade os conceitos e mensagens subliminares ou pelo menos, se escolha o veículo menos parcial da mídia. Também a entrega de encartes, publicidade de lojas, de supermercados, de revendoras de gás e água ou mesmo a visita do carteiro, com a mercadoria esperada e as contas inevitáveis de todo o mês, talvez, avisos de débitos.

Além de todas estas injunções em nossa vida cotidiana, atualmente há a distribuição sistemática de panfletos. Panfletos? Sim, planfletos políticos, santinhos, com a figura impudente e maquiada do candidato, via de regra, aquele cujas promessas nunca são avaliadas, quanto mais comprovada a sua eficiência. São elas que nos chegam a todo o momento, abarrotando a nossa caixa de correspondência, quando não a virtual. Esta, elimina-se rapidamente, mas aquela, material, física e acompanhada da presença humana, é bem mais complicada de eliminar. Não basta rasgar o papel, consumi-lo no fogo ou arremessá-lo na lata de lixo. É preciso desvendar a porta, abrir a caixa do correio e averiguar entre centenas de papéis inúteis, a maior das inutilidades que é o tal de santinho. Estão sujando as ruas, conspurcando as calçadas, distribuindo papéis que logo serão atirados em qualquer canto por transeuntes enfarados, entediados e descuidados dos anseios políticos dos futuros candidatos. Naturalmente, temos os nossos preferidos e é salutar que isto ocorra. Comungam com nossas idéias, ideologias ou conhecimentos da situação política da cidade, do estado e do pais. E se não temos, merecemos por certo esta enxurrada de papéis disformes, com caras engessadas em sorrisos falsos e expectativas forçadas.

Mas, tudo o que foi relatado não configura o pior que pode acontecer à tranqüilidade de um vivente. O extremo da crueldade e falta de sorte, acontece quando o candidato se apresenta em nossa porta, via de regra acompanhado de um partidário servil, que acena a cabeça mil vezes concordando com o amigo, Nestas alturas, o candidato apresenta a pretensa finalidade de resgatar um conhecimento efêmero, (quem sabe um colega do ginásio ou um amigo do irmão do mecânico que certa vez consertou o carro de nossa tia já falecida...), mas que para ele possui a eternidade do universo (pelo menos, agora). Como refutar suas convicções, ouvir suas promessas, sem transparecer a cara de paisagem. Afinal, para ele, não interessa a minha opinião contrária ao seu partido que apóia a dinastia que sobrevive graças a algumas corporações na cidade, alicerçada na influencia do ex-prefeito, a séculos, falecido (quando morre, vira herói). Para estes, não há saída melhor. Não convém argumentar, nem demonstrar qualquer tendência à esquerda. Misturam tudo, como se churrasco levasse pimenta e molho inglês. Fazemos cara de paisagem agora e não votamos ou eles serão a própria paisagem sem vida, mural ruço e mofado, numa câmara cheia de traças e teias de aranha, nos próximos quatro anos.

Que abramos as portas para novos ares, mais adequados a nossa felicidade.

Gilson Borges Corrêa
Enviado por Gilson Borges Corrêa em 20/09/2008
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