O desafio de descrever um corrupto

Mais um desafio. Desta vez, envolvendo seis cronistas do Recanto e a missão espinhenta de tentar fazer você achar graça em um assunto que, normalmente, nos embrulha o estômago: "corrupção".

Não é competição, não queremos seus votos, portanto, nem adianta tentar vendê-los para nós. Ha, ha, ha!

O objetivo é divertir, primeiro a nós que rimos muito ao escrevê-los, depois a vocês de quem esperamos conseguir sonoras gargalhadas.

O meu texto está aí abaixo.

Os outros estão ou estarão nas escrivaninhas de cada uma no máximo até à meia noite deste sábado. Todos começam com a palavra "Desafio" para facilitar sua identificação.

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É obscura a origem do Homo Espertus Corruptus. Fala-se em variação anômala do Homo Sapiens, na descendência de Caim - os pais, envolvidos com a serpente e a maçã, não lhe teriam transmitido valores e princípios. Outra hipótese é a involução de uma ameba presente no lodo do Rio Nilo, o que justificaria a predileção por mares de lama. Já a origem da palavra, corruptela do latim, é clara: coração rompido.

O Corruptus tem características peculiares. Veste colarinho branco, ama política e lava dinheiro com OMO. Discreto, age por baixo dos panos e defende o sigilo de seu território bancário com unhas, dentes e serra elétrica. Idolatra Judas Iscariotes e leva a sério o lema da prostituta “É dando que se recebe”. Apesar de caçar em bandos e quadrilhas, é individualista e solitário. Do rosto sai serragem, obrigando-o a substituir a loção pós-barba por óleo de peroba. Cresce às custas do voto e omissão da sociedade, mas deliberadamente ignora suas regras. Até recentemente, seus recursos fundiários eram transportados em cuecas e malas. Hoje, prefere cartões corporativos. Alguns, marcados pelo estigma da estrela, tornam-se Corruptus após contato com o poder. A transformação inversa, de Corruptus em Sapiens, nunca foi observada.

O dialeto da espécie inclui termos como armação, negociata, propina e caixa dois. Seu habitat é funcional: multiplica-se onde há condições favoráveis. Prefere climas tropicais de grandes amplitudes sociais. Camufla-se na folhagem eleitoral. Tem o RNA mutante dos vírus, o que impossibilita a criação de uma vacina preventiva. Mamífero, suga as tetas do Homo Sapiens, em parasitismo incansável. Aprecia laranjas e defende o PT - Pizza para Todos.

No Brasil, concentram-se no planalto central, mas podem ser vistos em todas as regiões. Ocupam o topo da cadeia alimentar, desde que dois de seus predadores – Punição e Transparência – entraram em extinção. O crescimento só é refreado pelo canibalismo típico da espécie, Imprensa e Polícia Federal. Para se safar dos dois últimos, associam-se, em simbiose, a Advocatus Bempagus. Apesar dos grampos, a PF não consegue rastrear a fauna escondida no mar de lama. Ali nadam de braçadas polvos-dumbo (orelhas e pés enormes captam propostas indecentes e arrombam portas do erário); lula-sapo; tubarões vorazes e escorregadias enguias. Desovam em ilhas fiscais paradisíacas.

Híbridos, possuem abraço de tamanduá, lágrimas de crocodilo, olhos de lince, lábia de vendedor e memória de peixinho dourado. Dissimulados, esquecem, negam, mentem, inventam. Populistas, são benquistos pelo Sapiens pouco informado. Com extrema elasticidade ética, veiculam pestes gravíssimas. Se o contato for inevitável, proteção para os ouvidos, sinal da cruz e dente de alho são armas poderosas: muitos são vampiros sanguessugas.

Todo Homo tem seu preço. O do Sapiens é intangível – amor, felicidade, paz. No Corruptus, é cédula sobre cédula. Não dão ponto sem nó: “Topa, não topa. Morre aqui”. Suborno e chantagem. Magris e obesos, anões e gigantes, calvos e cabeludos usam e abusam do público para uso privado. Infiltram-se no Executivo, Legislativo, Judiciário, Forças Armadas, empresas privadas, igrejas, esportes, ONGs e universidades. Após lotearem a administração federal e seus recursos, relaxam e gozam. E recomendam que o Sapiens faça o mesmo.

Discute-se a razão para a preferência nacional. Para uns, é herança portuguesa. Outros culpam um meio-armador fumante que gostava de levar vantagem em tudo. Há quem atribua a PC Farias o modelo atual de ação. O certo é que estes santos do pau oco alastraram-se, com jeitinho, na sociedade. Hoje são endêmicos e daqui só saem para uma operação no Uruguai ou tratamento psicológico na Suíça, quando se sentem perseguidos. Safam-se sempre. CPIs (Corruptus Politicus Impunis) foram extintas, por inoperância, em países como Dinamarca e Canadá, mas persistem no Irã e Venezuela, nações que disputam conosco o ouro na Olimpíada Mundial de Impunidade.

A dialética do engodo é altamente contagiosa. Homo Sapiens contaminados adquirem DVDs piratas, molham a mão do policial para livrar-se de multas, pagam uma cervejinha para o funcionário público agilizar trâmites burocráticos, permitem que os filhos fraudem nas provas da escola. Uma pequena malandragem aqui, um tráfico de influência por pistolão ali, uma sonegaçãozinha acolá... E salve-se quem puder.

Há ocasiões em que a realidade não tem a menor graça.

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Os endereços das outras cronistas desafiantes são (em ordem alfabética):

Ângela Rodrigues Gurgel

http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=18247&categoria=B

Malu

http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=18977&categoria=B

Maria Olímpia Alves de Melo

http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=27042&categoria=B

Nena Medeiros

http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=35493&categoria=B

Zélia Maria Freire

http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=39004&categoria=B

Maria Paula Alvim
Enviado por Maria Paula Alvim em 19/09/2008
Reeditado em 20/09/2008
Código do texto: T1186941
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