Síndrome da (in)Produtividade Literária
O escritor estava ficando louco. Andava de um lado a outro, impaciente, vez ou outra coçando a cabeça, enquanto o cursor do computador piscava, esperando que as palavras fossem escritas e formassem o que poderia vir a ser o início de seu romance.
Sentou-se, tentando dar início à narrativa:
“Nada do que foi dito naquele dia trouxe felicidade a Isabela. Felicidade era uma palavra desconhecida pela menina que, desde sempre, aprendera que o mundo era um lugar sombrio e desprovido de amor.”
Analisou a narrativa, coçando a cabeça, esfregando os olhos e bebericando sua Coca quente e sem gás. “Não”, pensou, enquanto enterrava o dedo no botão de apagar. “Está uma bosta”.
Resolveu recomeçar.
“Daniel nunca fora um garoto normal. Desde o princípio de sua vida, vinha apresentando comportamentos estranhos, que iam desde beber misturas inusitadas – como refrigerante, leite e café solúvel – até falar coisas sem sentido para seu dedão do pé.”
“Não, não, não e não!”, ele pensou, apagando o texto novamente. Depois gritou. Um grito contido, educado, para que os vizinhos não o ouvissem. Segurou os cabelos, puxou-os, bateu na cabeça. “Pense, pense, pense em alguma coisa, sua máquina inútil de idéias”, falava ao seu cérebro, obrigando-o a ter uma boa idéia.
Seus contos – em geral de duas ou três páginas – nunca foram ruins. Talvez por sempre ter gostado muito de ler, o escritor sempre soubera manusear as palavras muito bem a sua própria maneira e, por mérito ou pena – ele não saberia dizer – uma vez foi chamado para compor uma antologia. Como primeira reação veio a felicidade do reconhecimento, o prazer de ter suas palavras impressas dentro de um livro, de poder esfregá-los na cara de eruditos e dizer-lhes “vejam, agora também sou imortal!”. Depois, claro, veio a obrigação de fazer algo melhor, de superar-se. Criar, sim, ele tinha que criar algo, nem que fosse uma página, meia que fosse. Mas tinha que ser algo surpreendente, que abalaria com os alicerces da literatura, que mudaria para sempre a visão do mundo sobre as palavras. Criaria um novo estilo, seria um novo Machado!
Em seus sonhos, é claro. A realidade era bem mais cruel e cinzenta.
Nada lhe vinha. Nem ao menos um resquício de idéia, nem uma mísera partícula expansiva de idéia. Coisa nenhuma.
E ele se preocupava. Levantava-se da cadeira do computador e corria até a prateleira de livros, que mantinha limpa e organizada. Puxava um livro qualquer e o folheava, na tentativa de, em uma reação osmótica, adquirir a inspiração que o autor ou autora tivera ao escrever aquele romance. Via, nos livros mais grossos e prolixos, toda uma infinidade de palavras, e se perguntava como seus ídolos conseguiam escrever tanto, enquanto ele, em sua infinita ignorância, não tinha capacidade de juntar três palavras para formar uma frase.
Fechava os olhos, tentando visualizar um filme para suas idéias, mas eram todos turvos, descoloridos e confusos. Não conseguia desvencilhar sua inspiração daquelas correntes malditas que estavam firmemente amarradas a uma parede de pedra. Puxava-as, mas tudo o que conseguia era que a inspiração avançasse um passo, sem, contudo, estar livre.
Então, desistindo de idéias mirabolantes que nunca viriam, resolveu sentar na cadeira do computador e escrever sobre tudo o que estava lhe acontecendo.
No fim, isso foi o que saiu.