Com música de fundo
- Vida -
Chico Buarque
- Vale a pena! -
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NÃO CHORO SOBRE O LEITE DERRAMADO!
Não tenho porque reclamar da vida. Não mesmo! É inevitável que a tristeza, por dias, nos assalta e, logo depois, sem que se perceba ela dá lugar a uma alegria inexplicável, sensações tão maravilhosas e profundas, comparadas a orgasmos múltiplos, após uma noite de amor com quem estamos perdidamente apaixonadas, qual um sol que brilha, instantânea e constantemente e nossos olhos se abrem para um novo amanhã. Aquele mesmo amanhã que você perderia se ficasse chorando.
Adversidades? Elas existem, é claro! Aos montes! Sinal de que estamos vivos, perfeitos e não vegetando! As minhas mazelas duram exatamente o tempo em que me canso de ser vítima e direciono meus pensamentos para algo construtivo, com graça e ousadia. A luta é árdua e constante!
Outro dia, assisti a uma cena chocante. Uma senhora, já bastante idosa, remexendo a lata de lixo na porta de um café – onde eu, muito bem acomodada – degustava o meu, quente e forte! Percebi que havia retirado de dentro do cesto, um salgado – daqueles fritos em excesso de gordura, sabe-se lá há quantos dias em decomposição, meio comido, girando-o em suas mãos, procurando, talvez, um canto de melhor aspecto, e deu uma profunda mordida, como se estivesse degustando uma verdadeira iguaria.
Fui até o caixa, pedi um saquinho de pães de queijo, recém-saídos do forno, aproximei-me e ofereci-lhe, sugerindo que jogasse fora aquele lixo recolhido na lata. Ela aceitou, mas não desprezou o salgado fétido. – Como se o meu gesto fosse resolver a vida da humilde senhora, coitada! Naquele momento, talvez. Mas, e os demais dias de sua vida que se seguiriam? A minha “boa ação” valeu sim, para aquele único momento! E o resto de seus dias?
- A sra. quer um cafezinho, para acompanhar os pães de queijo? – perguntei-lhe.
- Não, minha filha! Café me faiz mal. O dotô proibiu, porque eu sofro do “figo”. E, agradecendo os pães de queijo, seguiu seu caminho, feliz!
Cada um com as suas crenças, não me cabe discutir. O café faz mal ao “figo” mas aquele salgado podre, recolhido da lata de lixo, não! Talvez, quem sabe, aqueles restos de comida encontrados no lixo, seriam a sua única fonte de alimento, quase sempre!
E, quem me garante que eu não tenha tido aquele gesto de solidariedade e caridade, somente para calar a minha própria consciência – apenas por mim mesma e não por ela?
“Ajude um, assim estará ajudando a todos?” Impulso?
Então, de que adianta derramarmos lágrimas, sentirmos pena de nós mesmos, nos escondermos em um canto da casa, dias e noites a fio, se essa atitude não nos dará o mínimo conforto, nem há de ajudar-nos a transpor nossos obstáculos? Um dia ou outro, que seja, nos fecharmos para o mundo, é uma prática saudável para que possamos refletir a respeito de tudo um pouco e modificarmos – em nós - um pouco de tudo. Contudo, não contem com a minha companhia para chorar sempre! Minha alma contesta. Meus instintos repudiam esse chororô eterno!
Prozac – e outros derivados viciosos – ajudam o físico, mas não atingem a nossa alma! E, quando a alma adoece, não há antidepressivo que resolva, em definivo, os aborrecimentos.
Eu, particularmente, prefiro uma boa caminhada, por lugares onde a natureza esteja presente, ouvindo boa música – que a ruim, irrita-me – admirando as pessoas passarem com seus sonhos e mistérios... Sorvendo a vida!