O PC emite um irritante ruído intermitente parecendo uma furadeira brocando meu cérebro. Tento esquecer o barulho deixando meus olhos alçar vôo pelas milhões de estrelas delicadamente espalhadas na abóbada celeste e me envolvo com seu brilho fulgurante. Invejosa, a lua, embora minguante, se redobra em salamaleques amarelados com seus raios ínfimos para chamar a atenção dos românticos. Não lhe dou muita atenção, somente o suficiente para bocejar indiferente ao seu quase desencanto nessa noite avançando pela madrugada. As estrelas são maioria e despertam minha sensibilidade. Ademais, o zumbido angustiante do PC tirou-me do sério e nem a complexidade da Via Láctea com suas ursas maiores e menores e outras travessuras por seus astros me dão qualquer ânimo.
Já a cidade adormeceu entregue toda lânguida ao seu cansaço, debruçando-se sobre os aconchegantes braços de Morfeu e imiscuindo-se pelas brumas insondáveis da escuridão do sono. Tenho a impressão de que apenas eu estou acordado nesta noite cujo silêncio só é interrompido pelo som aborrecido do meu computador. Vislumbro uma página de livro e me entedio, recorro à revista semanal recém chegada folheando-a sem nenhum critério mas logo a jogo sobre a cadeira ao lado, depois torno a voltar minha atenção à morbidez da tela branca esperando a crônica que eu tencionava escrever.
E o meu coração por muito pouco não se arrebenta enraivecido quando o bradar incansável do micro acompanha o ritmo de suas batidas. Ainda levanto o punho decidido a esmurrar o monstro cibernético barulhento, balanço o braço tenso, chego a sentir a cabeça latejando e, no último instante, buscando ser racional, seguro a força do ímpeto furioso a milímetros do alvo. As fronteiras das horas foram cruzadas, o tempo não deu a menor bola para minha angústia informatizada. Uma pecinha de nada certamente, um treco qualquer, quiçá um nano botão vem causando todo esse transtorno, e quem me disse isso outro dia, pelo telefone, foi um expert no assunto. Eu precisaria levar o micro até sua loja a fim de resolver definitivamente o problema. Algo bem simples, ele garantiu. Umas coisas e outras vão me fazendo adiar a resolução desse impasse.
Então fico assim confuso, absorto diante do brilho do terminal limpo, sem palavras e esperando por elas na maior calma. Frases que não digitei se perderam no núcleo do som absurdo reinando no espaço calado do meu escritório. Desisto de vez de elaborar a crônica, leio algum texto interessante, namoro as estrelas, repudio a lua, fico a ver cá de cima do meu apartamento a modorra das ruas adormecidas ou, como os demais mortais fazem às tantas da madrugada, convoco Morfeu para a suavidade do repouso? Deixo aos leitores a decisão mais acertada porque já não estou em condições de decidir nadinha de nada tão embotada ficou minha mente com o danado do ruído zombeteiro do meu computador.