Guarda-roupa de casal
Itamaury Teles
O sargento Gandola – vamos chamá-lo assim – havia sido removido de uma cidade próxima para Montes Claros e alugara uma casa na Rua Bocaiúva.
Todos sabem que nos fundos das casas daquela rua montes-clarense, do lado esquerdo de quem sobe, passam os trilhos da Rede Ferroviária Federal, hoje arrendados para a Ferrovia Centro Atlântica. O barulho é ensurdecedor e tudo treme nos armários das cozinhas quando o trem passa.
As pessoas que ali moram já se acostumaram com aquilo e nem ligam mais. Mas o mesmo não vinha acontecendo com dona Cida, mulher do sargento. De sono leve, assustava-se sempre que uma composição passava nos fundos da sua casa. E o pior: uma das portas do guarda-roupa de seu quarto se abria, acompanhado por um rangido característico, fazendo-a levantar-se para fechá-la. Resultado: no dia seguinte, olha a dona Cida de olheiras profundas e com os nervos à flor da pele...
Reclamou daquela situação ao marido e este lhe sugeriu que procurasse um marceneiro para consertar a porta do guarda-roupa. Ele não poderia, pois iria participar de uma diligência policial perto de Itacambira e não sabia quando voltaria.
O marceneiro Zezinho foi chamado e ali compareceu. Viu logo que se tratava de defeito numa das dobradiças e a substituiu de pronto. Cobrou 10 cruzeiros e foi embora.
Às cinco da tarde, quando passava o trem vindo de Monte Azul, olha a porta do guarda-roupa se abrindo de novo! Dona Cida ficou chateada. Ligou para o Zezinho e o desancou, chamando-o de marceneirozinho de meia-tigela.
Mas Zezinho tinha uma paciência enorme e relevou aquela reclamação da cliente. Ficou de rever o serviço, sem outras despesas. Lá voltando, verificou que poderia ser a lingüeta da fechadura, que estava um pouco gasta pelo uso. Trocou esta peça e prometeu à dona Cida que a porta não mais se abriria sozinha.
À tarde, novamente, ao passar do trem, olha a porta se abrindo...
A bronca agora foi maior e Zezinho, chateado, nem dormiu aquela noite, matutando uma forma de resolver aquele intricado problema. Só foi conseguir dormir pela manhã, por completa exaustão.
Levantou-se às 2 da tarde, almoçou, pegou suas ferramentas e rumou para a Rua Bocaiúva.
Lá chegando, foi recebido por uma dona Cida enfurecida que pedia seu dinheiro de volta, já que ele era um incompetente na profissão.
Mas Zezinho, calmamente, expôs sua estratégia à dona Cida para a última tentativa de solução do problema. Ela concordou com a proposta, porque a achou interessante, pois Zezinho estava disposto a ficar preso dentro do guarda-roupa para ver o que aconteceria, daquele ponto de vista, quando o trem passasse. A solução só poderia vir de dentro, já que do lado de fora nada mais poderia ser feito...
Assim, com a permissão da dona Cida, faltando poucos minutos para o trem passar, Zezinho entrou no guarda-roupa e a porta fora fechada.
Cinco minutos depois, o sargento Gandola chega e vai direto para o quarto. Ali não encontra a mulher e resolve guardar suas roupas que levara na viagem. Ao abrir o guarda-roupa, depara-se com aquela figura estranha e dá um berro:
- O que você está fazendo aí, safado?
E Zezinho, pálido de medo ao ser encontrado naquelas circunstâncias suspeitas pelo marido da dona Cida, com a voz trêmula, retrucou:
- Se eu disser que estou esperando o trem passar, o senhor vai acreditar?