SÃO PAULO DA MINHA INFÂNCIA

Eu, a minha irmã e mais as nossas tias Vera Lúcia e Terezinha fomos acompanhar a Tita, uma amiga em suas compras no centro de São Paulo. Paramos logo em frente ao Teatro Municipal, e, assim, num relance sem pedir permissão, larguei à mão de minha tia, para subir correndo à escadaria do teatro, a porta estava entreaberta, e como num passe de mágica, já estava no seu hall.

Fiquei extasiada com a sua beleza e o seu esplendor!

De repente uma mão enorme me agarrou, e fui segura pelo braço. Quando virei para olhar levei um susto, um homem alto, perguntou, com cara de poucos amigos: o que eu estava fazendo ali? E, foi me empurrando para fora. A minha tia Terezinha, me pegou pela mão. Muito zangada repreendeu-me gritando. Temerosa, me encolhi inteira, com medo de apanhar ali na rua.

A cidade de São Paulo parecia um caleidoscópio, com suas imagens tridimensionais espalhando sua luz colorida por toda a parte, as calçadas tinham vida própria, com o ir e vir dos transeuntes apressados, deixando as suas sombras incrustadas na história da cidade, como se um flash cristalizasse em segundos as vidas humanas para reintegrá-las em sua essência, com a eternidade!

Gostava de ver a vida, dessa maneira, como que pulsando do calçamento das ruas e avenidas. Tinha o costume de ficar como uma estátua, paralisada pelos cantos da calçada para sentir a vibração de todo aquele movimento frenético, interagindo com o meu corpo esquálido de criança.

E, ali encostada no beiral do Viaduto do Chá olhando para a avenida, lá em baixo, vinda de algum lugar, para terminar no horizonte infinito, onde em minha cabeça fantasiosa de criança, estavam enterrados os potes de moedas de ouro. Minhas tias sempre me despertavam desse marasmo, inquietante, chamando a minha atenção, me chamando, como para me acordar de uma das inúmeras fábulas de Perrault.

Horas depois, neste mesmo dia, fiquei boquiaberta ao entrar na grande loja de Departamentos do Mappin. Com absoluta certeza, recordo que foi nessa loja, junto com minha irmã, viemos a andar pela primeira vez de elevador, como verdadeiras “caipiracicabanas”, subimos e descemos várias vezes, esperando, a sua porta abrir para descobrirmos em que seção, ele iria parar!

O ascensorista ficava nos olhando com um grande sorriso escancarado na boca desdentada, prometendo às minhas tias tomar conta da gente. Quando enjoássemos nos deixaria no departamento de cama, mesa e banho, onde elas estavam fazendo as compras.

Mais tarde em uma galeria de lojas, situada em uma rua perto do Mappin, novamente, eu e a mana, ficamos deslumbradas, mas, desta vez foi pela escada rolante. Quanta alegria ao descermos pela escada em movimento para logo subirmos pela outra, ziguezagueando pelos seus degraus!

Levamos um outro susto, com a queda de uma senhora, que enroscou o seu sapato, de salto à moda Luís XV, no último degrau, esborrachando pelo chão, como uma jaca madura.

Quando a fruta cai do alto da jaqueira faz um tremendo de um estardalhaço, ao se esborrachar pelo chão no silêncio da mata ciliar do riacho, que corre perto dos trilhos da estrada de ferro, lá da nossa cidade.

Atravessamos uma movimentada rua! Vários camelôs gritavam para chamar a atenção dos transeuntes, para os produtos a venda, a minha memória recupera a voz cadenciada, mas, aguda de uma mulher dizendo, interruptamente:

_ “A,B,C e a tabuada. A,B,C e a tabuada...“.

Alguns anos mais tarde, lá pelo final da década de oitenta, quando fui ao Mappin para comprar o enxoval do meu futuro bebê, ouvi a voz da mesma mulher, ainda no mesmo lugar:

_ “A,B,C e a tabuada. A,B,C e a tabuada...”.

Mas, nunca consegui descobrir direito o que ela vendia, não sei se eram livros, ou lápis de tabuada, ou se havia evoluído com a tecnologia, e, já estava vendendo calculadoras eletrônicas!