TRAUMA DE AEROPORTO
Trauma de Aeroporto
® Lílian Maial
A grande maioria das pessoas tem trauma de avião. Penso que seja a única que tem trauma de aeroporto. Toda vez que viajo de avião alguma coisa acontece de trágico, que tira, temporariamente, o prazer de viajar e me deixa de pé atrás com aeroportos, ansiosa com a proximidade de qualquer nova viagem.
A última foi em janeiro agora, nas férias. Sou escolada de aeroportos, haja vista os percalços que enfrentei nas idas as São Paulo, via ponta aérea, para as últimas duas Bienais do Livro, de 2002 e 2004.
Mas dessa vez eu estava prevenida, cheguei com bastante antecedência ao Aeroporto Internacional do Galeão, justamente para não me ver envolvida em contratempos e correr riscos desnecessários de perder o vôo e, por conseguinte, as sonhadas férias. Além disso, queria fazer logo o check in, para assegurar um lugar confortável e que coubesse toda a família junta.
Para nosso espanto, apesar de bem cedo, a fila para despachar a bagagem já estava bem longa. Não tinha remédio, corremos para o final e esperamos nossa vez.
Demorou um bocado, deu tempo para uma conversinha sem graça, dessas conversinhas de fila mesmo, quando se pergunta coisa sem importância e se ouve resposta com importância alguma.
Enfim chegamos para o check in, e tudo o que o rapaz por trás do balcão pedia, eu ia entregando: passagens, minha identidade, identidade o filho mais velho, malas, tudo! As crianças sorrindo e excitadas, principalmente o caçula, que faria sua estréia nas alturas. Tudo muito bem, até que o rapaz pergunta se os outros dois tinham identidade, ao que respondi que só a garota, mas que o caçula era menor, viajando com a mãe. Ao que ele retrucou que crianças menores que o meu filho possuem identidade, e que eu deveria providenciar identidade para ele. Meio sem querer confusão, respondo que era uma ótima idéia, e peço à minha filha a identidade dela. Ela me olha com cara de tacho, e me diz que não havia trazido, que não imaginou que precisaria. Olho aflita para o rapaz do balcão, e este me diz que sem a identidade, só se tivesse a Certidão de Nascimento. Voltei-me para ele, com cara de desolada, mas não adiantou, ele foi categórico: - “Sem certidão, não embarca não!”.
De novo! Eu não acreditava naquilo! Era karma! Não era possível que estivesse acontecendo outra vez! Mas estava, e eu já sabia o que viria a seguir: eu correria desesperada até a Polícia Federal, pediria uma autorização, ele me faria esperar o escrivão, fariam inúmeras perguntas inúteis (não seria mais simples interrogar a criança?), me deixariam nervosa, com crise de asma, quase perdendo o avião e o pacote de férias, para, ao final, eu conseguir o documento e atrasar o vôo, e pegar o último lugar no avião, ao lado do banheiro, justo no dia em que umas cinco pessoas estariam com diarréia.
E foi quase assim.
O rapaz, percebendo minha aflição e o horário já bem mais próximo do vôo (um fretamento!), me indicou a sala da Polícia Federal e me disse para pegar a autorização, que ele despacharia a bagagem, para adiantar, e assim que eu conseguisse os papéis dos dois filhos, que apresentasse diretamente a ele, sem necessidade de esperar na fila (menos mau).
Saí desenfreada à procura do Polícia Federal que, para variar, ficava no finalzinho do aeroporto, bem distante do balcão da Gol...
Chego na entrada e não vejo ninguém. Onde estão todos? Entro devagar e... ninguém! Começou a me dar aquele conhecido frio na barriga. Olhei o relógio, e percebi que os ponteiros davam risadas, eu juro que davam!
Nisso, o meu mais velho me diz que a saída era correr em casa e pegar as certidões dos meninos, como se nossa casa ficasse ali ao lado. Céus! Estávamos no Galeão, na Ilha do Governador, e moramos em Vila Isabel, a mais de meia hora de distância, o que perfaria um total de mais de uma hora ida e volta, levando-se em conta que ele achasse os papéis logo, e que não houvesse intercorrências no trânsito. Não! Nós íamos conseguir essa autorização! E fui atrás de informação sobre o paradeiro da polícia...
Quando cheguei no balcão de informações, um senhor muito atencioso me pergunta do que se tratava, e eu expliquei sobre as identidades e certidões, ao que ele, muito prestimoso, me indicou o Juizado de Menores, que resolveria muito mais fácil e rapidamente.
Ah, homem abençoado! O Juizado era ali ao lado, e estava apenas com um casal sendo atendido. Entrei com a filharada, e fui recebida pela Sra Vera, uma oficial (creio eu) com farda diferente das outras, talvez por ser do Juizado. Ela foi muito agradável e gentil e, sorrindo, me disse que não poderia me liberar a autorização, caso eu não tivesse como provar que aqueles eram meus filhos. Quase tive um ataque de riso histérico, e pensei: -“Será que ela queria que eu tirasse a roupa e mostrasse a prova ali?”. Mas calei a boca e abri a bolsa, tentando inutilmente encontrar alguma prova. Nada. Tudo que era documento meu tinha meu nome, mas nada do nome das crianças. Até que... Ah! Bendito plano de saúde! A carteirinha do plano! Mais que depressa apresentei, toda aliviada, as carteirinhas das crianças e a minha, mostrando o mesmo sobrenome. A moça, sempre sorrindo, disse que não tinha nada dizendo que eles eram meus filhos. Comecei a ficar taquicárdica, roxa, chiando da asma. Meu filho mais velho sumira. A essa altura já estava vendo o dinheirão do pacote ir pro esgoto, porque estava quase na hora do embarque, e não dava mais tempo pra nada. E vôo fretado não tem como reutilizar a passagem. Se perder, perdeu.
Subitamente, encontro a carteirinha de estudante da garota, que havia me dado para guardar na última vez que fôramos ao cinema e que, embora vencida, constava meu nome como mãe. Isso sem falar que nos parecemos, em termos de fisionomia, mas o que é que eles, do Juizado, têm a ver com isso?
Entreguei, vitoriosa, a carteirinha para a oficial, e supliquei que se baseasse nisso e na semelhança fisionômica e no sobrenome idêntico, para liberar o caçula também. Finalmente ela consentiu, desde que eu assinasse um termo de sei lá o quê, que de pronto assinei (poderia ter sido uma confissão de crime, que nem saberia). Só que agora precisaríamos tirar cópia xerox de tudo, e era em outro andar.
Cadê o mais velho? Pego o celular e ligo, e ele atende, dizendo que estava a caminho de casa pra pegar as certidões. Doido! Bem intencionado, mas doido! Mandei voltar imediatamente, e ir tirar a xerox! Eu devia estar histérica, porque ele deu uma gargalhada do outro lado do fone.
Enfim ele voltou (disse que já estava fora da Ilha), tirou as cópias xerox, e entregamos tudo à oficial Vera, que nos deu as autorizações de embarque e de volta também, pra não corrermos o risco de ficarmos presos no outro aeroporto. Ganhou um abraço tão apertado, que devo ter deixado minhas impressões digitais e corporais nela toda.
Em cima da hora – de novo – corri para o balcão da Gol, e o rapaz me entregou as passagens e tíquetes da bagagem, que já havia sido despachada, e corremos para a sala de embarque. Deu tempo, mas em menos de cinco minutos chamaram para o embarque, e foi então que verificamos que não conseguimos assentos juntos, ficando cada um num canto diferente. Só eu fiquei junto com o caçula, é claro.
Mais uma vez subo chiando as escadas do avião, vôo lotado, já tarde da noite, mas feliz de estarmos todos ali, juntos e bem, às portas de umas férias inesquecíveis!
E o caçula, encantado com tudo, ainda teve, na volta para casa, seu aniversário comemorado em pleno vôo, graças à diferença de fuso e horário de verão. Certamente ele nunca mais vai esquecer daquela cena onde todos os passageiros cantaram parabéns para ele, que completava 10 aninhos nas nuvens!
No entanto, já estou pensando seriamente em passar a viajar por mar. Só que a Bienal de Sampa é agora, em março, e não dá tempo, não tem jeito: é ponte aérea...
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