Queimador de vela
E a bela vela vai queimando. Queima numa boa, escorrendo cera quente nas mãos daqueles que não conseguiram uma garrafa pet pra fazer um protetor.
E não importa o tamanho do incômodo, quem segura a vela, vai trocando de mão em mão buscando alívio, mas não deixa nunca de seguir a procissão.
As vezes entoa a ave maria com mais fé, pedindo inconscientemente que o suplício acabe logo, mas não acaba, a subida da ladeira que leva à Catedral ainda é longa, e aqui não adianta choradeira, a mãe ralha com o seu pivete que ainda não se acostumou àquela quentura:
"cala a boca e acompanha a reza"
Reza meu filho, e reza até os lábios criarem calos, porque essa tua reza abafando os "ais" é a única coisa que pode te salvar nesse mundão, se a reza não salvar nada mais te salva.
Reza meu filho, e implora que quando você tiver idade pra ser catador de lixo o governo não esteja exigindo terceiro grau completo pro concurso, porque se assim for você se lasca. Olha só teu pai, não tem segundo grau, totalmente incapacitado de limpar as calçadas vomitadas pelos foliões.
Reza meu filho, e reza pro bolsa escola continuar, senão tu vai pra aula mas não come feijão com farinha antes de sair de casa.
E inclui ainda na reza, ó pivete, um sonho grandioso talvez, por que não? Reza e pede aí pra te mandarem lá de cima um pouco de sorte e muita lábia, porque dessa forma você dispensa a farinha e o estudo, lembra que por aqui, pra ser presidente não carece primeiro grau.