Extração do siso
Como mudam as coisas e os sentimentos... Quando eu era criança, no interior do Ceará - milhentos anos atrasados, alguns até dizem que lá não é Brasil – meu pai tinha uma espécie de alicate que a gente chamava de torquês. O torquês servia para extração de dente. Tudo era simples, rápido, e a anormalidade ficava por conta de meia dúzia de ais e uis da vítima, aliás, do paciente.
Funcionava assim. Meu pai colocava a filharada em fila indiana, examinava um a um. Os dedos dos pés, as unhas, o cabelo – em caso de piolho não tinha choro nem vela, raspava-se tudo na gilete fosse homem ou mulher -; e os dentes. Passava os dedos calosos por cima da dentição e se tivesse algum mole, este sujeito entrava em observação. Se o dente não se firmasse a ponto do individuo descascar uma cana caiana, entrava no torquês porque o dente não prestava e tinha de dar lugar a um dente bom.
Ele chamava o filho - eu mesmo passei por esse processo algumas vezes – mandava ajoelhar, “arribar” a cara e arreganhar a boca até não poder mais. Então enfiava o torquês e num atroar só desdentava o infeliz. Quando eu conseguia burlar a fiscalização paterna, eu mesmo extraia. Laçava o dentre com uma linha de costura e puxava sem dó. Depois, era só “rebolar” em cima da casa e outro, novinho, novinho, logo nasceria. Meu pai era muito bruto e só faltava esfolar a boca da gente. Cada “mãozona” de arrancar toco, puxar enxada e montar em burro brabo... Deus do céu!
Mas isso faz muito tempo e não pude fazer o mesmo com o tal do siso. Tive que ir ao dentista. Mas essa parte conto depois... Tchau.