NAIR DE TEFFÉ ( A LEILA DINIZ DO PALÁCIO DO CATETE) LUC RAMOS

Nair De Teffé (A Leila Diniz do Palácio do Catete)

Um texto de Luiz Carlos Ramos adaptado de uma crônica de H.Werneck

Nair de Teffé, a Leila Diniz do Palácio do Catete. Nair de Teffé! Uma espécie de Leila Diniz, só que meio século antes, e muito mais atrevida.Ela era de uma ousadia sem limites, em uma remota noite de Outubro de 1914, durante uma recepção oferecida ao corpo diplomático. No formalismo Palácio do Catete, onde imperava a musica erudita, Nair que estava na casa dos 28 anos, fez soar os acordes plebeus da musica Corta-jaca de Chiquinha Gonzaga.Prestem atenção nos versos da musica: (Essa dança é buliçosa, tão dengosa/que todos querem dançar/Não há ricas baronesas, nem marquesas/que não queiram requebrar…) Esses versos foram acompanhados por um instrumento prosaico, o violão, associado à boemia, portanto aos maus costumes. Agora, vejam; quem dedilhava o violão era nada mais nada menos que a mulher do Presidente da Republica, Nair de Teffé.Como eu disse, ela era ousada e já velhinha em certa ocasião ela disse a respeito daquela noite. Foi uma noite prafrentex.E foi prafrentex mesmo, porque o marido dela o marechal Hermes da Fonseca, em 1907, ministro da Guerra do Governo Afonso Pena, havia proibido as bandas militares de executar maxixes. A Igreja Católica também embirrou com o ritmo pagão: em janeiro de 1914, o cardeal Arcoverde, arcebispo do Rio de Janeiro, condenou a dança indecente, na qual, conforme descrição de um jornalista da época, macho e fêmea davam a impressão de quererem possuir-se. E agora essa pouca vergonha irrompia no Palácio do Catete por iniciativa da primeira-dama.O então senador Rui Barbosa, que em 1910 havia sido derrotado por Hermes da Fonseca na disputa pela presidência da Republica, subiu á tribuna para fulminar o Corta-Jaca, dizendo: --- Essa é a mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, trovejou o Águia de Haia, indignado com o que considerava uma profanação estética do palácio presidencial.

A irreverente Nair de Teffé reagiu com humor: lascou uma impiedosa caricatura de Rui Barbosa, fazendo o senador reclamar: Certas mocinhas se divertem fazendo gracejos à custa de homens sérios como eu.

Nair era precoce na arte de alfinetar com o lápis de chargista. Aos nove anos, interna num colégio de freiras em Nice, no sul da França, foi castigada por retratar a nariguda madre superiora. Era pouco mais que adolescente quando seus desenhos começaram a aparecer na imprensa do Rio de Janeiro e de Paris, sob o pseudônimo de Riam.Sua desenvoltura tinha a marca de uma educação liberal, o pai, almirante Antonio Luiz von Hoonholtz, barão de Teffé, e a mãe, Marie Louise Dodsworth, eram gente de mentalidade aberta. E da longa temporada na Bélgica, na Itália e na França, aonde chegou bebê e viveu até os 17 anos. Seus modos parisienses, na volta ao Rio, causaram sensação. Modos e beleza. Nair impressionava a todos.

Dotada também para o teatro, ela enveredou pelo então suspeitíssimo oficio de atriz e protagonizou mais de uma peça.Ela era muita avançada para a época, dito isso por ela mesma, já com 80 anos de idade.

O seu romance, com o marechal Hermes, também deu o que falar, a começar pelo fato de que Nair tinha 27 anos, e ele, mais que o dobro, 58. Nair era alta, bonita, exuberante; Hermes, baixinho, calvo e bigodudo, um prato cheio para os chargistas que fizeram dele o alvo predileto nos quatro anos de mandato.

Era presidente quando em novembro de 1912, enviuvou de dona Orsina, mãe de seus sete filhos. Pouco mais de um mês depois, ele caiu de amores pela filha do barão de Teffé. Segundo ela, quando o seu pai lhe apresentou o presidente Hermes, ele segurou a mão dela interminavelmente, e a olhou nos fundos dos olhos com o olhar afogueado de um rapaz de 25 anos.Isso tudo aconteceu no mês de Janeiro de 1913, em dezembro do mesmo ano estavam casados.Nair de Teffé, a Leila Diniz do Palácio do Catete.

O apaixonado marechal deu corda a sua jovem esposa. Só não gostava quando ela vinha com palpites sobre política, ai ele lhe dizia: Nair cuide de seus pincéis que eu cuido da política. Para não constranger o marido, a jovem primeira-dama adotou um perfil mais discreto, renunciando temporariamente a caricatura. Revelou-se uma impecável dona-de-casa. Pôs ordem no Palácio do Catete, onde desde a morte de dona Orsina reinava o caos. Encerrado o seu mandado, Hermes e Nair passaram cinco anos na Europa.Na volta ele envolveu-se em conspirações militares, que lhe valeram seis meses de prisão, e não tardou a morrer, nos braços da mulher, em 1923.Nair tinha 37 anos. Permanecerá viúva até o fim, fiel a memória daquele a quem se referia, com respeitoso carinho, como… O marechal.Só aos poucos retomou o gosto pelo desenho, adotou 3 crianças e com elas viveu, longas décadas, entre o Rio de Janeiro e Niterói. Nos anos 30, construiu na avenida Atlântica um cinema, o Rian, seu nome ao contrario, do qual acabou tendo de se desfazer num momento de aperto, há quem diga que a ex-primeira-dama, perdera no carteado o prédio herdado do pai.

Pela mesma razão teria perdido também uma Ilha no litoral de Angra dos Reis, com 10 mil metros quadrados, chamada Ilha Francisca. presente do marechal Hermes.

Nair de Teffé, a Leila Diniz do Palácio do Catete.

A velhice de Nair foi amargada pelas aflições financeiras. Da pensão deixada pelo marido, recebia a metade, a outra metade era destinada a um filho dele que era deficiente.

Mesmo depois da morte do enteado, continuou a embolsar apenas uma parte. No inicio dos anos 70, foi acossada pela Receita Federal, que lhe cobrava impostos atrasados. E a sua reação lembrou a jovem petulante que fora: em vez de preencher o formulário da Receita, desenhou nele uma caricatura do ministro da Fazenda, Delfim Netto.Costumava repetir, por essa época, que não gostava de duas coisas, imposto de renda e ser chamada de primeira-dama.Sempre ela dizia: Tive tudo que uma mulher podia querer, mas, hoje eu não tenho nada.Morando em uma casa alugada em Niterói, por pouco não foi despejada em 1970.Só teve um respiro quando, no governo Médici, passou a receber integralmente a pensão do marido. Vez ou outra, seu nome aparecia na imprensa.

Em 1967, foi convidada por uma emissora de televisão de São Paulo para fazer diante das câmeras uma caricatura do presidente da Republica, marechal Costa e Silva. Para participar do programa, tomou pela primeira vez um avião, e ficou encantada: Poxa é bem melhor que ônibus ou automóvel.Aos 81 anos, dava mostras de estar sintonizada com os temas da atualidade, dizendo estar a favor do Divorcio e ser fã da Jovem Guarda, em outra ocasião declarou, que gostava da moda da mini-saia, com a ressalva que a usuária deveria ter pernas regulares.

Os últimos anos foram vividos em Niterói, em sua casinha, numa saleta atulhada de moveis, que lhe servia também de dormitório, sob os olhares de cães e gatos alojados em estantes de livros.Passava o tempo caricaturando atores de novelas.Foi sem maiores lamentações que aceitou a bengala e depois a cadeira de rodas.Antes de morrer, aos 95, disse: A gente quando é jovem, complica muita a vida e estraga a mocidade.

FIM