Lobisomem

A Alice Marques dos Santos

Interessante notar certos casos e fatos do cotidiano. Estes mitos e lendas são muito falados. Lobisomem, Mula-sem-Cabeça, Drácula... São importados, estes.

Nacionais e com forte sotaque tupiniquim, temos vários. Curupira, o que protege a mata e os animais – dizem que troca a direção dos pés, para despistar seus perseguidores. Os políticos deveriam adotar o Curupira como patrono. Fica a sugestão, aceita quem quiser. O Saci, pretinho, só uma perna, e corre como um corisco. Barrete vermelho. Como gosta de pitar um cachimbo, se der fumo de rolo ele se aquieta. Caso contrário, uma surra de corda ou cipó é aplicada no infeliz que topar com ele pela frente.

O Saci não poderia nunca ser patrono de malandros. Afinal, um pouco de fumo de rolo é ridículo perto das tramóias que esta turma arma.

Não vou dar aula de folclore não, gente! Além de não ser minha intenção, não sou um conhecedor do assunto. Quero contar apenas um caso verídico acontecido no hospital psiquiátrico do Engenho Novo. A cidade é São Sebastião do Rio de Janeiro, o paciente, já falecido, chamava-se Josino e o tratamento, aplicado por médicos antiquados era choque elétrico.

Josino já estava como uma usina de força, tanto choque havia tomado.

A responsável pelo pavilhão ainda não o tinha entrevistado. Experimentada, a doutora Alice e sua assistente Pelúcia, uma cadela vira-lata, estavam esperando a chegada do homem.

Você leu direito sim. Pelúcia era de uma inteligência anormal. Apareceu ninguém sabe como no Engenho Novo e tomou-se de amores pela já madura psiquiatra. Virou sua assistente por motivo simples. Ficava deitada olhando firme os doentes, enquanto a médica que tinha sido por ela escolhida para ser sua dona, examinava com carinho os pobres seres que o mundo abandonou, os sem família, sem dinheiro, sem comida, sem teto, sem amor, sem nada! Caso o coitado estivesse sendo sincero, Pelúcia olhava com tristeza. Fosse encenação, levava uma corrida! Veio daí a sua promoção de médica-assistente.

Josino entrou na sala acompanhado de um enfermeiro forte, que se retirou em seguida. A doutora Alice começou a entrevista. Sua assistente estava quieta e atenta.

Soube que ele era nascido e criado num distrito de uma cidade que nem consta de mapas escolares, em Minas Gerais. Roça brava mesmo! Respondeu a todas as perguntas com calma e simplicidade, não demonstrando ser louco.

- Posso saber a causa de estar aqui, meu velho? – Foi a pergunta da médica ao paciente com aval de sincero e manso, dado por Pelúcia.

- É que eu vi o Lobisomem lá na minha terra.

- Quantas vezes?

- Uma só, doutora. Meteu muito medo, ele é bravo, metade homem e metade lobo.

- Só viu uma vez?

- Graças a Deus, sim. Eu rezei muito para não ser mais atacado pelo bicho.

A doutora Alice ficou imaginando a cena. Aquela pobre figura que tinha a frente, sem saber nem mesmo certo a idade, estava padecendo com choques elétricos por ter confessado a um médico iniciante ter visto o Lobisomem. Deu uns conselhos ao pobre coitado, perguntou se ele tinha ofício e soube que era empalhador. Tinha muitos clientes, e no hospital mesmo havia feito uns trabalhos.

- Meu velho, vou assinar sua alta. Procure trabalho e nunca mais na sua vida diga que viu Lobisomem. Se falar isto novamente, vai continuar internado. Entendeu?

- Só isso, doutora?

- Só isso. Esquece o Lobisomem.

O homem teve alta. Montou uma pequena loja e teve trabalho o resto da sua vida. Sei deste caso por que me foi contado pela própria Alice, minha tia e madrinha querida, numa longa e gostosa conversa que tivemos quando ela ficou de férias na minha casa. Arrematou: “eu mesma já estive a pique de ver Lobisomem, quando era criança.” Fantasias todos temos. O que não pode acontecer é ficar tomado por histórias que existem e vão continuar sendo contadas.

Deus a guarde, Alice!

Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 14/09/2008
Reeditado em 10/10/2008
Código do texto: T1177458
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