Anos cinzentos e inspiração
“Quem diz que dinheiro não traz felicidade, nunca teve dinheiro”.
( Autor Desconhecido )
Quando comecei a ter uma nítida percepção do mundo que me cercava, aos 8 anos, não gostei nada do que percebi sobre a minha própria vida: a minha mãe era viúva, sem emprego, com seis filhos para criar. Morávamos numa casinha de taipa, coberta de palha, no bairro da Vila Passos, em São Luís do Maranhão. Quando chovia, era um horror. Entrava água por cima, por causa das enormes goteiras no telhado de palha, e entrava água por baixo, porque a casinha estava localizada numa escavação de terreno e as paredes de barro não suportavam o peso da enxurrada que vinha da parte alta que, na verdade, se constituía o nosso quintal. Nessas ocasiões, o piso da casa se transformava num pequeno lamaçal e transitávamos por cima de umas tábuas que mamãe colocava no chão.
Mas o pior de tudo era a fome, uma das maiores provações que um ser humano pode suportar!...
Se você não tem uma casa e dorme no relento, suportando o vento e o frio das madrugadas; se você não tem uma roupa ou um calçado decente; se a sua vida se resume numa eterna carência de afetos, tudo isso é muito triste e produz dolorosas marcas na alma do ser humano. Mas não ter o que comer, exigência mínima de subsistência de um ser vivo, eis o que é mais chocante, o que mais humilha! Principalmente porque a maioria das pessoas à sua volta alimentam-se normalmente e jamais consideram esse fato com uma bênção de Deus. Claro, comer é uma exigência fisiológica, tanto como beber, respirar ou dormir. Se você não pode beber, morre de sede dentro de alguns dias; se não pode respirar, morre em alguns minutos; se não pode dormir, enlouquece em algumas semanas ou meses; mas se você não pode alimentar-se dignamente, continua vivendo, mas sentindo-se miseravelmente excluído da normalidade da vida.
Desde cedo, revelou-se em mim uma extrema sensibilidade à realidade que me cercava, ao lado de uma inteligência, perspicácia e intuição realmente poderosas. Isso acabou sendo um grande mal para o meu relacionamento com o mundo porque, cruelmente lúcido e racional, fazia, com uma exatidão e intensidade incomuns, uma leitura perfeita dos atos e fatos da minha vida, e das pessoas com quem me relacionava. Mas isso contrastava com a minha natureza sensível, e por isso sofria muito. Cético filósofo, portanto, desde essa época, descobri a piada e a gozação para satirizar a minha vida e a vida dos outros. Ninguém percebia naquele menino brincalhão e cheio de artes, o revoltado ser interior. Aprendi, desde cedo, a rir da minha própria dor!
Portanto, duas características importantes da minha personalidade – que iriam marcar a minha passagem em vários lugares e corações – começaram a despontar nessa fase: o gosto pelas Letras e a veia humorística. Aparentemente rebelde e irascível, na verdade, o que eu não sabia mesmo era expressar os melhores sentimentos do meu coração sensível e angustiado. E descobri a crônica, a poesia e o humor para fazer isso.
Muitas noites eu não dormi porque sentia que a minha mãe estava acordada e chorando: não havia na nossa cozinha nada com que pudesse fazer um ralo café da manhã para esquentar os nossos estômagos. Os outros irmãos dormiam placidamente, mas eu ficava insone, solidário com o sofrimento da minha mãe! Jurava a mim mesmo que passaria a ser mais carinhoso com ela, minimizando o seu cruel sofrimento, mas quando acordava no outro dia já era com um humor azedo, disposto a dar pancadas no mundo inteiro! Eu amava muito interiormente, mas extravasava só mágoa e rancor...
Foi essa contradição que me encaminhou cedo para a introspecção e para o mundo ficcional das Letras. Como poeta, como cronista, eu era o que queria ser. Lá, nesse mundo, não havia fome, nem medo, nem hipocrisia... Também ajudou muito o fato de ter desenvolvido desde cedo uma grande capacidade de expressão escrita. O que a minha timidez e insegurança não me permitiam extravasar oralmente, o meu bom domínio e fluência da linguagem escrita o faziam.
Na parte da criação literária, a minha inspiração sempre nascia de uma estranha melancolia que envolveu a minha vida desde o berço. Uma tristeza, uma angústia insuportável enchia o meu peito em certas ocasiões: quando o sol tornava-se dourado e declinava no horizonte, anunciando o fim da tarde, e quando o céu se escurecia, ameaçando chuva, com o vento zunindo pelas ruas de piçarra do meu bairro pobre, levantando poeira e papéis. Parecia, meu Deus, que todo o peso da tristeza do mundo desabava sobre os meus frágeis ombros de menino...
Após os 15 anos, comecei a escrever pequenas crônicas e alguns poemas curtos. Quando sentia vontade de escrever algo, uma inexplicável sensação de dor ou de perda me dominava o coração e os meus temas prediletos eram sempre o abandono e a solidão resultantes de um desengano de amor ou de uma morte. E eu nunca tinha amado ninguém, nem jamais sofrera por um ente querido levado pela morte! Seria premonição? Seria uma antevisão de que a minha vida futura seria permeada de muito abandono e solidão? Talvez!
Eu tinha poucos colegas e raros amigos. Não gostava de conversar, de papear. Fugia das rodinhas, dos grupos, gostava de ficar só com os meus pensamentos, com o meu mundo particular, interior. Era um mundo que eu conhecia perfeitamente, pelo qual transitava sem a menor dificuldade. Diferente do mundo real... Teria sido por isso que fui um bancário e professor insatisfeito durante anos e após aposentar-me dessas carreiras, adorei tornar-me poeta e escritor?
Mas, realmente, não foram dourados, mas cinzentos, os anos da minha infância e juventude em São Luís do Maranhão, mas, neste momento, me inundo de uma enternecida saudade deles.
Pois, naquele tempo, eu tinha mais tempo para viver. E o meu baú de sonhos era tão cheio!
Contudo, a vida passa, mas ele nunca se esvazia...