Infância e Religião
Quando me perguntam sobre Religião, respondo: “Sou agnóstico, desde criancinha”. E não é mentira! Eu cresci não acreditando em quase nada do que eu via, em matéria de religião. Não acreditava nos santos da Igreja Católica e odiava quando a minha mãe nos obrigava a acompanhar as procissões; tinha horror aos pregadores evangélicos, empunhando a Bíblia, e gritando quase convulsivos: Jesus!“, “Jesus!”, Aleluia"!
Tinha mais simpatia com os espíritas, pois os seus dogmas sempre me pareceram mais lógicos e não conflitantes com a Ciência. Entretanto, queria resposta para as minhas dúvidas, especialmente nas questões que fugiam à lógica. Com 15 anos, estava quase propenso a acreditar na Reencarnação, um dos maiores dogmas do Espiritismo, mas esfriei quando um presidente de Centro Espírita, que freqüentava a nossa casa, irritou-se e ficou sem saída ante a minha dúvida matemática:
- Seu Pedro, a gente morre e demora um bom tempo para poder reencarnar-se na Terra, não é verdade?
- Sim, é verdade, são muitos os candidatos para a volta, mas poucos os selecionados.
- Então, me diga: há dois mil anos, no tempo de Cristo, toda a civilização humana não devia passar de quinhentos milhões de almas encarnadas na Terra. Se esses quinhentos milhões de almas estiveram morrendo e voltando, mas passando algum tempo no espaço, a lógica matemática diz que atualmente deveríamos ter menos de quinhentos milhões de pessoas. Mas somos 5 bilhões, a população mundial aumentou 1.000% em 2000 anos! De onde vieram esses outros quatro bilhões e quinhentos milhões de almas?
- Ora, menino, tu não queres acreditar, o que tu queres é debochar! O pior cego é aquele que não quer ver!
E nunca me forneceu nenhuma explicação plausível sobre essa questão. E vivia dizendo que o Espiritismo era uma religião raciocinada. Mas como, se ele, líder religioso, não tolerava nenhum questionamento?
Aliás, sobre Religião, eu sempre fiz algumas perguntas irrespondíveis. Parece que alguns líderes religiosos esquecem que mesmo em questões de fé é preciso usar-se a lógica e o bom senso, pois somente os tolos ou fanáticos acreditam em tudo que ouvem ou que lêem. Fé cega era aceitável na idade do obscurantismo da Idade Média, mas agora, não, pelo amor de Deus!
Eu fazia o Curso Primário num bom Grupo Escolar. Preguiçoso para estudar, mas dotado de invulgar inteligência, raciocínio ágil e memória privilegiada, conseguia, apesar da falta de energia para a aplicação nos estudos, ser o melhor aluno do colégio. Por essa razão, eu era sempre escolhido por diretora e professoras para compor comissões representativas de alunos em eventos públicos.
Um certo Monsenhor, depois de uma pregação religiosa, no auditório do colégio, avisou que se reuniria numa sala com alguns alunos recomendados pela diretora, para uma sessão de tira-dúvidas sobre os fundamentos da Religião Católica. Eu estava lá e levei algumas perguntas previamente selecionadas e redigidas num pedaço de papel.
Depois de alguns momentos de pomposo fraseado religioso e muita conversa fiada, que logo me irritou, perguntei ao religioso:
- Monsenhor, o que é a Bíblia?
- A Bíblia, meu filho, é a palavra de Deus.
- Então, Deus escreve muito complicado algumas vezes.
- Que está dizendo, menino? Não existe nada de complicado na Bíblia!
- Somos todos descendentes de Adão e Eva?
- Claro, claro!
- Mas diz a Bíblia que Adão e Eva tiveram somente dois filhos, Caim e Abel. Os dois não tinham mulheres e Caim matou Abel. Ficaram, portanto, Adão, Eva e Caim. Como a Bíblia diz que Adão e Eva só tiveram esses dois filhos e se o que restou, o Caim, não tinha mulher, com quem Caim gerou os descendentes que somos nós? Com a própria mãe? Diz a Bíblia também que, depois que tentou a Eva, a serpente foi condenada a andar rastejando pelo resto da vida. Como a serpente se locomovia antes disso? Voava? Diz também a Bíblia que Deus fez o dia e depois fez o Sol. Senhor, pode até haver noite sem lua, mas dia sem sol, estou pra ver! E se Deus descansou no sétimo dia era porque estava cansado, não é mesmo? E se ele cansa, pode também adoecer e até morrer. E aí, como vamos ficar quando Deus morrer?
Enquanto eu falava e os colegas cochichavam e riam, o Monsenhor ia ficando vermelho, arregalando os olhos, tremendo os lábios. Eu continuei:
- Se milhares de cristãos foram queimados vivos, no início do Cristianismo, por não aceitarem render homenagens aos deuses de Roma, ídolos de pedra, como Marte, Minerva, Saturno, Vênus, etc., por que o Catolicismo enche as suas igrejas de ídolos de pedra, como Santa Maria, Santo Antonio, etc.? Não é mesma coisa que os romanos faziam, antes de Cristianismo?
O Monsenhor rugiu, furioso:
- Senhora diretora, tire este menino daqui! É um moleque atrevido!
Fui retirado da sala e suspenso por três dias. Por causa de perguntas irrespondíveis...
Na maioria das vezes, enquanto os outros meninos corriam, empinavam papagaios, jogavam pião, eu ficava caminhando pelos matos que circundavam a Vila Passos, pensando, pensando... O que era a vida? De onde tinha vindo e para onde iria, depois de morrer? Haveria vida após a morte, ou a morte – coisa horrível! – significaria a destruição total do ser vivente? Nesse caso não valeria a pena ser bom, não valeria a pena nem mesmo viver! Deus existia mesmo? Como Ele era?
Tenho que morrer para saber disso. E não posso voltar para contar para vocês...