Soli(ci)tude

I - Atrás de minha casa há um manancial. Das samambaias brotam sapos e brejos e as águas fazem córregos sob meus pés.

E quem há de entender os lagartos? Estão espojando-se dos beirais da mata, onde araquãs fazem chuva e outras desimpotâncias de alumbrar os extremos dos dias.

- Corre menino! Corre ou não verás o preá brincando de esconder-se no capim da estrada.

Os ventos desta paisagem vêm pelo lado esquerdo de quem assiste. Eu estremeço só de pensar nas cantorias das aves ao amanhecer. São de asas o que te escrevo, menino!

Quando vir um bem-te-vi cuida que um sabiá te espia. Então espicha a língua e agradeça pela gota de rocio e mais esse dia passarinho.

- Corre menino! Corre ou não verás o preá brincando de esconder-se no capim...

Da lesma um caracol faz velocidade eternal e é em tardes como essa que até andarilho assume cheiro de flor. De caracol o último que vi esculpia a rosa verde que pensei.

- Corre menino! Corre ou não verás o preá brincando de esconder-se...

II – Tenho tantos medos pela infância de minha rua. Não sei por quanto tempo ainda terei dedos nos olhos para apalpar:

- a voz das rãzinhas

- o salto dos gafanhotos

- as travessuras dos sebinhos...

- Corre menino! Corre ou não verás o preá brincando...

O primeiro ensaio da cigarra anunciou que se aproxima o verão. Mas sob a máquina o homem é vil e desaprende rápido o gosto que dá as florescências de cada estação.

- Corre meninos! Corre ou não verás o preá...

III – Há noites tenho insônias e se durmo assaltam-me pesadelos:

- um chão monturo...

- meus pés descalços e sangrentos...

- brotações de pregos enferrujados por toda a paisagem.

- Corre menino! Corre ou não verás...

Das vozes da terra e das vozes das águas:

- a voz dos vôos

- o percurso dos saltos

- o sobressalto em meus sustos...

E perplexidade. E deslumbramentos, menino! E ninguém pra ver comigo!

- Corre menino! Corre...

Todavia nada ou ninguém me redimirá, donde os olhos do preá singraram para fora da existência. Eu não tive forças para segurá-lo no existir. Então corro em círculos. Corro de mim?

- Corre menino, comigo... Corre por nós... E que já não posso mais ser assim tão sozinho... Esse desamparo...