O Bairro se chamava Jardim das Rosas Vermelhas, mas não havia rosas de espécie alguma. Segundo os moradores mais antigos, antes de se tornar uma área residencial ali existia uma plantação de rosas vermelhas.
Antes de o empreendimento ser instalado, ainda segundo alguns antigos moradores e de acordo com a pesquisa realizada pelo ambientalista Jacinto Flores, o arrendatário da área travara uma batalha judicial na tentativa de transformá-la em uma unidade de conservação. Todavia, a especulação imobiliária foi mais convincente e obteve o licenciamento ambiental. As ruas foram abertas, o roseiral destruído e no local foram construídas casas e galpões. Em homenagem ao antigo roseiral, os empreendedores deram o nome ao bairro de Jardim das Rosas Vermelhas.
Jacinto Flores decidiu aprofundar sua pesquisa acerca da origem do bairro. Após uma série de entrevistas com os moradores decidiu por fazer uma leitura dos anais da Câmara Municipal. Foi recebido com um sorriso largo pelo Presidente da Casa, que, após ser convencido das boas intenções do ambientalista, colocou o arquivo à sua disposição, nomeando um funcionário para auxiliá-lo.
- É com satisfação e orgulho que liberamos os documentos para a sua apreciação, mesmo porque aqui é a casa do povo e os documentos são públicos – completou o vereador se despedindo.
Flores descobriu que o zoneamento do bairro, antes classificado como Zona de Ocupação Restrita, fora transformado em Zona Adensada pelos vereadores. Saiu da egrégia casa com uma pulga atrás da orelha.
Enquanto isto, o funcionário que o auxiliara na pesquisa repassava ao Presidente da Câmara as informações que arrancara do ambientalista. “Ele parece disposto a ir em frente com a pesquisa; demonstrou insatisfação com a mudança de zoneamento, alegando que nascentes e córregos foram drenados e me fez várias perguntas: se a mudança de zoneamento tivera a anuência do conselho de meio ambiente, se houve audiência pública. Eu não soube responder, apenas disse que o Secretário alega que o meio ambiente prejudica o desenvolvimento da cidade”. Dito isto, saiu da sala.
No dia seguinte Jacinto Flores fez uma visita ao Secretário de Meio Ambiente, que o recebeu com um sorriso leve, ofereceu-lhe uma cadeira e cafezinho.
- Em que posso ajudá-lo? – perguntou o Secretário.
- Estou realizando uma pesquisa sobre o processo de formação de novos bairros, como surgem os loteamentos atuais, enfim, o que leva uma população a ocupar uma determinada área – respondeu Jacinto tentando demonstrar ingenuidade, para não assustar o Secretário.
- Nós cumprimos rigorosamente a lei. Trata-se de um empreendimento imobiliário que vem trazendo inúmeros benefícios. Primeiro o de recuperar uma área degradada; em seguida, diminuindo o déficit habitacional, muito grave no município; reservamos uma área para a instalação de industrias não poluentes, a fim de resolver outra questão social grave, a geração de emprego. Basicamente é isto.
- Quem era o dono daquelas terras, antes de ser loteada?
- Não sei, o senhor teria que ir ao cartório de registro de imóveis, por quê?
- Dizem que ali existia um roseiral belíssimo, córregos e nascentes, gostaria de ter acesso a fotos, para ter uma idéia de como era.
- Uns pezinhos de rosas murchas, mal cuidadas, aliás, o antigo proprietário degradou a área toda, provocando erosões. Uma tragédia ambiental! – completou o Secretário com expressão de asco.
- Mas o senhor disse que não conheceu o antigo proprietário – Jacinto Flores rebateu de pronto, para em seguida se arrepender.
- O fato de não ter conhecido e ainda não conhecê-lo não me impede de conhecer as terras, caso contrário, nem poderia ser Secretário – respondeu com rispidez, avisando que a audiência terminara, pois estava na hora de receber uma comissão de moradores de outro bairro.
Ao sair da secretaria, o ambientalista avaliou que a sua “pesquisa” começava a esbarrar em obstáculos complicados. Começou a traçar uma nova estratégia. Decidiu procurar as instâncias superiores do Estado e da União. Estava convencido da existência de crimes ambientais e de corrupção no licenciamento do Jardim das Rosas Vermelhas.
Identificou-se na recepção da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e após receber um crachá foi autorizado a assistir à reunião do CPA.
Tentou se manifestar na reunião, porém nenhum conselheiro se dispôs a conceder-lhe a palavra. Retirou-se frustrado com a impressão de estar sendo vigiado.
Após idas e vindas em diversos órgãos, conseguiu a cópia de um documento que apontava irregularidades na gestão do Secretário.
Tentou falar novamente com as autoridades municipais, contudo, todos o tratavam com frieza e até mesmo com agressividade.
Escurecia e fazia muito calor. Jacinto Flores saiu de casa para tomar um suco na lanchonete da esquina. Mal dera alguns passos na rua e se chocou com um homem mal encarado: - Ei, olha por onde anda, idiota! – Desculpa – respondeu Jacinto. – Desculpa porra nenhuma – gritou o estranho, desferindo-lhe um soco. Pego de surpresa, Jacinto não esboçou nenhuma reação, enquanto o desconhecido sumia na penumbra.
Disposto a desvendar o caso do Jardim das Rosas Vermelhas, Jacinto decidiu se aproximar ainda mais dos moradores. Ganhou a confiança do presidente da associação e, juntos, levaram o caso a imprensa.
Passados exatos quinze dias da exibição da reportagem o corpo do ambientalista foi encontrado nos escombros próximo da via férrea com duas rosas vermelhas na boca.
Do livro: Crônicas do Cotidiano Popular – ed. do autor – 2006.