Ai! Se o Chevete da Terezoca falasse!
"O presente é aquilo que não é... E o próprio tempo não é, mas vem a ser, à medida que o ser-existente se temporaliza". (Sartre)
Tempo memorável aquele vivido em meados da década de “70”. Éramos trabalhadores de uma multinacional, e, com a longa convivência no ambiente da fábrica fizemos muitos amigos, e lá também vários relacionamentos amorosos tiveram início, através de olhares e conversas no pouco tempo de descanso no intervalo do almoço e do café.
Sábado, sem hora-extra, era um prato cheio para os passeios da turma. Terezinha, após muita economia conseguiu comprar um carro usado. O primeiro deles foi um Fusca e, ela fez questão de nos levar dar uma volta. E, qual não foi o nosso espanto ao entrar no carro e não encontrar onde pisar. É que, literalmente, o Fusca estava com um grande buraco e Terezoca, ao ver o nosso espanto, saiu com essa tirada.
_Ergam as pernas meninas, pois esse não é o carro do Fred Flinstones!
O segundo carro comprado por ela foi um Chevete, aquele da marca Chevrolet. Era um Chevete “furta-cor”, pois nunca sabíamos se ele era amarelo ou laranja. E com esse carro fizemos passeios memoráveis até que um dia...
Bem, para entender melhor os acontecimentos a seguir devo começar explicando, onde e como tudo se inicia. Pois é, nada era mais esperado pela sociedade piracicabana, do que, o Baile de Formatura da Turma da Agronomia da Esalq (Escola Superior de Agronomia Luíz de Queirós). Os convites eram disputadíssimos e movimentávamos amigos e parentes dos formandos atrás de consegui-los a todo custo.
Naquele ano o baile iria superar a todos os outros. Dois conjuntos, e, uma orquestra de sucesso iria abrilhantar os três salões de festa do prédio principal da universidade. O traje era smoking para os homens e vestido longo para as mulheres. As lojas de tecidos, modistas e costureiras da cidade eram procuradas alguns meses antes para que nada saísse errado nas escolhas feitas por todos.
Uma semana antes do baile a nossa roupa já estava pronta, impecável e, pendurada no cabide esperando o momento para ser vestida para o tão almejado baile. Mas, ainda não havíamos conseguido os convites e frustradas procurávamos meios para podermos ir ao baile dos nossos sonhos.
No dia esperado, eu havia conseguido dois convites e Eliza um, como a Terezoca não podia faltar era a motorista, bem, resolvi ceder o meu para ela, com uma enorme esperança, de que na portaria na noite do baile, eu conseguiria um convite para poder entrar!
Com meia hora de antecedência maquiadas, cabelos arrumados, com as nossas melhores bijuterias e vestidas de longo subimos no Chevete para irmos a Esalq. O carro estava abastecido, cheirando a novo, pois havia passado por uma limpeza rigorosa.
Riamos de tudo e de todos. A alegria contagiante era sentida pelos transeuntes nas ruas que passávamos. Mas, no meio do nosso caminho tinha uma pedra, ou melhor, uma pedreira inteira! Na descida da Rua Treze de Maio na altura do Ginásio Municipal de Esportes, isto mesmo, aquele ao lado do Cemitério da Saudade, o “furta-cor” resolve engazopar,e nos deixar na mão!
Depois de algumas tentativas em dar a partida, a Terezoca teve a brilhante idéia de descermos e empurrarmos o carro.
_Mas, estamos de longo_ reclamei timidamente.
_Vocês querem ou não ir ao baile?
Com um argumento desses, a motorista conseguiu a nossa atenção ,e a nossa força para empurrar o teimoso. E, após, cento e cinqüenta longos metros, o “tarzinho” roncou o seu motor, e, em uma rapidez de dar inveja a qualquer super-herói, nele subimos para continuar o restante do caminho.
Terezoca tinha que pisar fundo no acelerador para o carro não morrer, e, assim conseguimos chegar sãs e salvas no local do baile. Mas, não consegui o convite e foi depois de muito pensar, que tivemos a idéia de esperar um bando de formandos entrarem e na confusão entrei de marcha à ré. Isto mesmo, caro leitor, fiz como a lagosta e dessa maneira entrei. Foi assim, que junto, com as minhas amigas desfrutamos o melhor e o último baile juntas. A partir de um espaço curto de tempo as nossas vidas tiveram rumos diferentes.
(...) só se possui eternamente o que se perdeu.” (IBSEN)