Paixão estragada

Para as paixões também há vencimento. Como tudo aquilo que tem prazo de validade suficiente para fazer o bem, e não causar mal estar. Passou do tempo estipulado pela vigilância sanitária, é hora de colocar na sacola e retirar da geladeira, do armário. Assim também acontece com o coração.

Quando nos apoiamos nas lembranças, a saudade fica impregnada em todos os momentos do dia, o relacionamento já acabou faz um tempão, mas você ainda se sente apaixonada como se fosse apenas alguns dias, se não pensar nele, seu dia não foi completo. As festas ainda geram em você um pensamento desesperado de querer estar em ordem, seja com o cabelo, com o corpo, mas, principalmente, com o semblante que tem de passar felicidade, segurança, afinal, você torce para encontrar aquela pessoa e poder mostrar o quanto você está bem, embora, por dentro, você esteja na fossa, na lentidão do ócio, desafinada em planos. Quando você namorava nem se lembrava de combinar a roupa direito, agora é uma pinta só.

Os rostos todos te parecem, as sombras seguem um único parâmetro, a cabeça não quer outra coisa, até mesmo o paquerinha que você tanto desejou já não te atiça mais os sentidos.

A ansiedade de vê a janelinha do MSN com a seguinte mensagem “Fulano acabou de entrar” é plena, quando acontece, o coração bate acelerado, parece que você bateu de cara. Não deixa de ser. Estipulam-se as frases, contam-se os minutos para a pessoa vim falar, faz questão de ficar off-line, de esperar um pouco para que ele dê o primeiro passo, se não falar, você dá o primeiro “oi”. Mas “Oi” pra quê?! Não percebeu ainda que a pessoa não está a fim de falar?! Ele entra, e mesmo que esteja sem fazer nada, faz questão de pôr no status “OCUPADO”, ou seja, só falo com quem eu quiser. Tem gente que o sistema ainda é analógico, demora pra cair a ficha.

No trânsito você olha a placa de todos os carros que são estilo o dele, se encontrar a placa certa, você faz questão de parar e inventar algo para fazer ali próximo. As ligações das amigas são freqüentes, e as perguntas sempre às mesmas: Você viu fulano lá? Ele tava sozinho?.

A paixão revirou tudo, os conselhos vão para porta de saída com urgência, você até promete mudar no dia seguinte, mas, não faz nada pra isso. Ainda continua em casa chorando pelo leite derramado, ninguém tem graça, e, se tem, se rola o famoso “fica” em alguma balada, a consciência pesa, a sensação de estrangulamento no peito sem dó, nem piedade. “O que foi que eu fiz?”

No dia que você se sente mais você, como se realmente tudo tivesse ido embora, o sorriso está largo, a aparência serena, e uma auto-suficiência sem tamanho, você se enrola na empolgação, e envia aquela mensagem, afinal, que mal te fará se você já não quer mais nada com ele, somente atiçar os instintos?! Engano seu, não dou um período do dia para o arrependimento bater, o orgulho começa a incomodar e tudo vem à tona novamente. “Porque eu fiz isso, estava indo tão bem?!”

As paixões maduras se desfazem, e até ligação para ouvir apenas a voz e desligar estão acontecendo. Agora, você se vê fazendo coisas que julgou e jurou não fazer. Que diacho de paixão é essa que não passa? O cara já está em outra, faz questão de te passar isso, mas você ainda anda no rabo do gato, se apodera no ditado clichê e não sai: “a esperança é a última que morre”.

Perdeu graça pensar, já não tem mais sentido, até você mesmo sente abuso só de imaginar que durante o dia todos aqueles pensamentos vão surgir novamente. Quer tirar à força, arrebentar o coração, a consciência ,e arrancar de lá a pulso tudo que lembra o falecido, em paradoxo; vivo, vivíssimo.

O prazo, o problema está justamente na validade. Você esqueceu que quando as coisas se findam elas têm um prazo para serem colocadas no seu devido lugar. Se você tarda a dá um caminho para elas, tudo se complica, e o estrago é bem maior com o tempo, que desde então tem sido seu principal inimigo.

A ambigüidade das suas ações, dos seus sentimentos passam a te incomodar, você sente raiva de si mesma, revolta, histeria, falta de paciência, a bebida começa a descer feito água, e as baladas vão ser as mais surradas possíveis. Já não agüenta mais os barzinhos de voz e violão, a cerveja é trocada pela cachaça, a sensação de estar ébria tem que ser a mais rápida possível. Refúgios plenos.

Paixão estragada, o prazo de validade já passou tem tanto tempo, e o pior de tudo é que você mesma já se deu conta, mas não sabe como tirar isso daí. Pra falar a verdade nem eu sei, só posso dizer que uma nova é revigorante, o problema é que nessas horas a gente lembra que a varinha mágica ficou no conto de fadas da vida passada, e que meia noite é apenas o marco zero do dia seguinte pra tudo começar novamente.

Enquanto isso a esperança vira precipício. No mais, Sorte, sorte na vida para todos nós.