O poeta de Deus
Edson Gonçalves Ferreira
Quem não conheceu o Frei Miguel, cujo nome secular era Orlando Rodrigues dos Anjos, perdeu a possibilidade de conviver com um dos frades que mais parecia com o Pobre de Deus, São Francisco, no seu amor desmedido para com todas as criaturas do mundo. Eu, graças ao bom Deus, o conheci criança ainda, quando era coroinha e o ajudei em várias missas.
Na década de l960, Frei Mariano von Gipsen OFM e Frei Miguel e eu fundamos o Movimento de Orientação Vocacional que funcionava na antiga Capelinha de Santo Antônio onde, hoje, é a casa paroquial de Santo Antônio. Ali, vários jovens foram orientados para o sacerdócio. Além disso, estudávamos a Bíblia, líamos muito, aprendíamos cantos litúrgicos e divertíamos jogando pingue-pongue.
Miguelão, meu querido amigo, era o meu confessor. Mesmo quando deixou de ser franciscano e se tornou padre secular, continuou a me ouvir. Encontrávamos sempre e um dos pontos de encontro era a casa de Dona Ana e Zi que tinham o Restaurante Valeriana e, depois, ficou sendo a casa do Frei Miguel no Porto Velho e a casa de Dr. Alair e Maria Ad´ma Rodrigues de Araújo.
Frei Miguel, o poeta de Deus, adorava declamar seus poemas para mim e, depois, perguntava-me se gostara. Sempre o reverenciei tanto como homem, como frade, como professor, como confessor e, sobremaneira, como o poeta de Deus. Às vezes, eu até implicava com ele. Sim, ele gostava de cantar e, então, quando eu começava a cantar algo que ele sabia, ele colocava a sua voz e atravessava nos compassos. Eu nada falava só olhava para ele de banda. Adorável amigo!
Cresci à sombra dos franciscanos e, principalmente, sob o olhar paternal de Frei Mariano e de Frei Miguel, o poeta de Deus. Quando fui dar aula na E.E. Santo Tomáz, o antigo Colégio Estadual, me tornei colega do querido amigo. Ele me enaltecia mais que eu merecia. Tínhamos uma ligação de olhares. Quantas vezes, eu ligava para ele e abria o meu coração, docemente, todas as vezes que nos encontrávamos, eu ganhava aquele abraço fantástico. Parecia que era São Francisco, descido dos céus, abraçando-me.
Frei Miguel, nunca ficou sendo só o Padre Miguel, nem o Padre Orlando, para mim. Era meu Miguelão, aquele que me contava histórias de sua infância, aquele que me incentivou a ser escritor, a ser espiritualista, aquele que me ensinou amar e, por excelência, saber que amar é um verbo intransitivo. Hoje, quando contemplo qualquer detalhe que, para outros, é trivial, vejo o sorriso do Poeta de Deus, pois ele sabia que cada momento é inaugural, cada momento é celebração. Sim, a liturgia do cotidiano é admirável, tão admirável que encanta a minha vida que foi enriquecida pela convivência com Frei Miguel, o Poeta de Deus.
Crônica publicada no livro "Miguel, frei, padre, poeta" lançado, hoje, dia 11.09.08, no Convento Santo Antônio, em Divinópolis, em homenagem póstuma ao grande amigo e meu confessor Frei Miguel Rodrigues dos Anjos.