SIMBIOSE DO AMOR

Há histórias de amor que nos marcam por toda a vida. Diferentes dos contos de fadas dos livros infantis, o amor real enfrenta muitos desafios até que se materialize e siga seu destino. Como a história de amor dos primos Izairço e Valdelira, que na década de 1960 descobriram-se apaixonados. Para a família um susto, pois já naquela época encontrava-se resistência para aceitar um romance entre pessoas do mesmo sangue. O namoro escondido durou pouco, pois quem consegue ocultar por tanto tempo uma paixão? Os passos até o altar não foram fáceis: brigas em família, desaprovação dos pais, medo dos céus.

Poderiam ter escolhido qualquer outra pessoa, mas o destino quis que se escolhessem, e assim no dia 29 de julho de 1967, Zininho e Lira subiram ao altar. Desde então viveram unidos e felizes. Deste amor nasceu Robson, único filho, único fruto desta linda história de amor. Foram quase 40 anos de convivência, de união e muitos exemplos de vida. Um amor que sempre foi minha melhor referência de vida a dois. Até que um dia a vida decidiu separá-los. Zininho, vítima de uma isquemia, passou cinco meses acamado sob os cuidados da esposa. Nesse período, recebeu visitas de familiares, amigos e vizinhos. Mas era o olhar de Lira que ele sempre procurava. A doença lhe tirou alguns movimentos e comprometeu seriamente a fala. Pouco se entendia o que ele falava. Mas Lira entendia todos os seus pedidos e suas necessidades.

Poucos dias antes do seu falecimento, fui lhe visitar. Nunca vou esquecer o jeito como se olhavam. Lira me contava, cheia de esperança, sobre os pequenos avanços que o marido tivera naquela semana, enquanto lhe acariciava os cabelos. Ele olhava fixamente para ela. Ainda que lhe faltasse a fala e alguns movimentos das mãos, Zininho sabia mantê-la por perto com seu olhar amoroso e pueril. De repente ela lhe beija o rosto, eu brinco dizendo o quanto ela estava romântica naquele dia. Mas ela me corrige explicando que o beijo lhe fora pedido através de “visíveis” expressões no rosto do amado. Eu não percebera nada e continuava sem entender os murmúrios de Zininho. Longe dele ela chorava, perto mantinha aquele sorriso tranqüilizador e forte. Por vezes eu a desconhecia, acostumada a vê-la sempre tão sensível, mas naquele momento em que aprendia a se desprender do seu amor, Lira deu um exemplo de grande coragem. Deixar que ele partisse e permitir que a vida seguisse longe do olhar do amado foi um ato corajoso. Para mim ficou a certeza de que a simbiose do amor está muito além das palavras, está num entendimento tão íntimo que somente o próprio amor pode decifrar. Sem o olhar de Zininho, Lira segue a vida com o que ela lhe deu de melhor: esse amor além da própria vida.