UMA ESTRELA NO ONTEM

Todos os domingos bem cedinho eu passo por ele e meus olhos teimam em fitá-lo, embora dele nunca ouça uma palavra.

Mas sinto bater o seu coração fraco, que sei já ter pulsado com intensidade n'algum dia.

Nasceu na Alemanha, acredito que quase nos anos sessenta, e ainda tem um belo porte, aquela mesma estrela universal na face, que embora não brilhe como dantes, ainda me revela que já teve seus dias de auge.

Vive naquele estacionamento há anos, todos o conhecem, e soube, pagam-lhe regularmente seus custos de estadia, que não são pequenos.

Dias desses parei para observá-lo melhor.

Traz dentro de si sucatas da vida.

Móveis velhos, roupas, sapatos sofridos, sacolas de lojas de antigas grifes, enfim uma parafernália de coisas que já foram grandes sonhos de consumo de muitos, porém passaram pelas mãos de poucos, e que hoje jazem sob a poluição negra da cidade.

Tem suas portas trancadas, vidros dianteiros trincados, uma lanterna traseira quebrada, e há anos ninguém lhe norteia as direções para que conheça as estradas do hoje.

Certo dia ao sair do estacionamento, perguntei ao manobrista sobre ele.

-É espólio de família, senhora. Todos os meses alguém acerta pontualmente o aluguel, sem sequer olhá-lo.

Senti um aperto no peito. "Bobagem". pensei. Afinal, tudo é assim.

Ao sair dali, tornei o olhar para o seu box, e parei para pensar na vida...nessa nossa tola condição material...