O FANTASMA VOADOR

(de Itumbiara – GO) – Justiça – Quando você for à Brasília de avião, note no momento que sua aeronave passear pelo pátio do Aeroporto JK que a comitiva de boas vindas são seis sucatas de aviões de médio e grande porte, sendo três da VASP e três outros da Transbrasil; no Aeroporto Luis Eduardo Magalhães em Salvador, outros tantos Boeings da Vasp a céu aberto esperando que um comprador de alumínio os leve; da mesma forma os gigantes MD-11, também da Vasp, são desmanchados a noite, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, por técnicos mecânicos da Oceanair, para que as aeronaves vermelhinhas recebam peças dos sucatões de Canhedo.

Em minha ultima viagem a São Paulo, eu mesmo vi, do alto do Quality Suites em Congonhas; observei por horas a operação “formiguinha”, num canto escondido daquele aeroporto, homens da Oceanair retirando peças das sucatas da VASP, para reporem as outras sucatas da Oceanair. Tenho certeza que em outros vários aeroportos do Brasil, outras sucatas de aeronaves, sem turbinas, sem rodas, trens de pouso, janelas, portas e assentos, estão à espera de um comprador de lixo, mas somente hoje a Justiça de São Paulo decretou a falência da empresa.

Desde 2004 que a VASP só alça vôos em sonhos e fábulas; são quatro anos sem um único vôo sequer, mas alguns transloucados “vaspianos” insistem em tentar confundir as decisões judiciais, afirmando que a empresa pode plenamente voltar a operar através de um plano mirabolante, que eles (os loucos), chamam de UPI (Unidade Produtiva Isolada). Duas empresas brigam na justiça paulista onde se auto-intitulam como “anjos guardiões” do lixo de Wagner Canhedo; uma delas é “uma tal” de DIGEX AIRCRAFT MAINTENANCE S.A, com sede em São José dos Campos - SP e a outra, a mesma que retira as peças dos aviões da Vasp, a Oceanair, que por mero milagre, também não parou de voar.

Quem estiver pensando que estas duas empresas estão a fim de pagar as dívidas da Vasp, que já somam mais de R$ 2 bilhões e consertar seus aviões para voltar a voar, estará “redondamente” enganado; a Digex e a Oceanair querem ser as donas da Vasp, mas a Vasp sem dívidas, sem obrigações legais, sem as obrigações trabalhistas que foram ignoradas há anos, elas querem o filé que ainda restou deste açougue repleto de pelancas em decomposição.

Apenas para informar a alguns, a Vasp foi fundada em 1933 e quebrou logo no início das atividades; ainda em 1935 a Viação Aérea São Paulo foi praticamente obrigada a mudar de mãos de controle; ao invés de amigos aviadores a VASP passou para a iniciativa pública, sendo estatizada e controlada pelo Governo do Estado de São Paulo. Depois disso, saiu comprando outras companhias aéreas do Brasil e do exterior e começou uma subida vertiginosa no mercado de transporte aéreo civil mundial. Foi a Vasp quem trouxe para o Brasil os primeiros aviões de turbina, ainda na década de 60 do século passado e em 1969, também foi ela quem trouxe os primeiros Boeings.

Quando as empresas aéreas disputavam os modelos mais desejados da época, a Vasp entrou nesta corrida vaidosa e o céu do Brasil ganhava o primeiro DC-10, Boeing 737-200, 737-300 e o famoso MD-11, que mais parecia um transatlântico voador e nenhuma outra aeronave moderna seria incorporada a frota da Vasp até a sua paralisação total. A frota foi se tornando antiga e cada vez mais difícil de ser oferecida a manutenção apropriada.

No início da década de 90, a VASP voltou às mãos da iniciativa privada; seu controle saiu das mãos do Poder Público Executivo, coisa que nem deveria ter acontecido. O dinheiro do povo parou de fluir na empresa que, segundo analistas sérios do mercado, jamais deu lucro; foi então que surgiu a imagem do polêmico e controverso Wagner Canhedo, conhecido como um dos maiores caloteiros da história recente do Brasil. O Grupo Canhedo não investiu praticamente nada, adquiriu uma empresa de valor nominal e continuou tomando empréstimos nacionais e internacionais para manter a vaidade de tê-la.

As jogadas de marketing surtiram efeito positivo nos primeiros anos, mas a falta de investimentos, modernização de equipamentos e a intranqüilidade do mercado na época, fizeram a Vasp começar a esquecer dos sonhos de consolidar como uma das grandes brasileiras. Os vôos internacionais foram cancelados por causa do risco de terem seus aviões confiscados e seqüestrados pelos credores internacionais e a credibilidade interna da companhia já estava debaixo do tapete, escondida, quem sabe, tomando fôlego para tentar ao menos sobreviver internamente.

Na mesma época, agressivamente, cresceram a Varig e a TAM no Brasil, deixando a situação da Vasp ainda mais difícil; com a chegada do modelo GOL, a empresa enfim, entrou em coma profundo, do mesmo jeito que se mantém até hoje. Há exatos quatro anos, o DAC (Departamento de Aviação Civil), por medida de segurança, determinou a proibição de voar de oito aeronaves da empresa de Canhedo. Em janeiro de 2005, a Vasp teve sua autorização de voar cassada pelos mecanismos legais brasileiros; se alguém na época imaginou que seria o fim da empresa, se enganou; a briga judicial se arrastaria até agora; os insanos e espertos, tentavam convencer a justiça e as autoridades civis brasileiras de que a Vasp poderia voltar a voar, mas ninguém se convenceu desta sandice e o ato final foi à decretação de sua falência.

Agora, se não houver outra manobra de recurso, a justiça deverá indicar um interventor da massa falida para juntar os lixos que ainda resistiram ao tempo, para que sejam leiloados e o ativo líquido primeiro se paga o Estado, depois, se sobrar (duvido muito), que se paguem os credores e funcionários.

Antes da publicação deste artigo, eu liguei para um amigo que foi Ministro de Estado de Lula, que conhece bem a realidade deste episódio, para saber se a Vasp reunia algum valor expressivo que pudesse minimizar os quase 2 bilhões de reais de suas dívidas, a resposta foi curta: se o que sobrou der para apurar 100 milhões, deveremos mandar rezar uma missa em Ação de Graças...! Lamentável!

A VASP teve uma história muito mais intrigante do que a de Jesus Cristo; sim, porque Cristo nasceu, viveu, morreu e ressuscitou, a Vasp, nasceu, viveu, morreu, ressuscitou, morreu novamente e agora querem ressuscitá-la outra vez; eu espero que em seu sepulcro perpétuo, ao invés de flores a justiça consiga seqüestrar os bens de Wagner Canhedo, para ao menos, minimizar o sofrimento de seus milhares de funcionários que até hoje, passados quase cinco anos, não receberam absolutamente nada.

Eu estou em Itumbiara, Goiás, e voei com a empresa TRIP (www.voetrip.com.br), que mantém seus aviões pequenos, modestos e simples, mas que, creio eu, consiga pelo menos pagar suas dívidas, sem ter que conviver com o sonho de Ícaro.

Carlos Henrique Mascarenhas Pires

www.irregular.com.br