DAS DORES
Das Dores
Com certeza você também conhece das Dores. Aquela pessoa que vive a se queixar, nada lhe agrada, sofre pelo mundo e vive na infelicidade. Basta cumprimentá-la para que desfie um rosário de lamentos doridos como se Deus, confessor ou médico fossemos. Passeando pelo sofrimento com um incrível prazer sado-mazoquista tenta nos deixar uma parte dele ou da culpa por estarmos sãos e salvos. E ao desviar do assunto somos sacudidos por uma “úlcera acompanhada de gastrite” que das Dores insiste em se queixar, explicando nos mínimos detalhes os sintomas até os raios de sangue nas fezes.
Pois bem, dia desses estávamos todos, muito felizes em casa. Meu caçula, Jorge, passara no vestibular de Medicina e festejávamos seu ingresso na Universidade quando uma das Dores veio parabenizá-lo. Predizendo o texto da prosa aproximei-me para ouvi-la: “Só vim porque era você, Jorge.” “Amanheci com uma tontura, acho que é labirintite, sei lá! Mas olhe! Parabéns! Seja muito feliz, e... Cuidado! Em São Paulo mataram um japonês no trote.” Jorge já angustiado quer virar-se, mas é puxado pelo braço e das Dores com um sorriso entre os dentes continua: “O laboratório de Química pegou fogo, você lembra?” “Ainda bem que cursando Medicina você poderá ser socorrido imediatamente se preciso for e eu terei um vizinho médico, não é?”.
Meu filho não desistiu da festa nem da Medicina, mas nunca mais cumprimentou das Dores.