Mercenários!

MERCENÁRIOS!

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 10.09.2008)

- Mercenários! - Ele repete, e sua indignação é evidente, não consegue acalmar-se nem se conformar com o quem acabara de saber. - Mercenários da mais ínfima extração!

- Mas é assim mesmo, meu caro. É nisso que virou essa tal de "vida moderna" - surpreendentemente, Ela se mostra mais tranqüila que de hábito, mais tranqüila do que Ele. - Guardadas as proporções, que, aliás, são muitas e enormes, é mais ou menos o que acontece com jogadores de futebol e atletas ou esportistas em geral.

- Mas não me conformo, não consigo me conformar com isso nem aceitar as coisas pacificamente, bovinamente! - visivelmente fora de si, Ele anda de um lado para outro enquanto protesta, quase já praguejando, o que só não faz em respeito a Ela, aos antecedentes dela, às raízes familiares dela: em respeito ao finado pai dela. - Depois reclamam e vão para a televisão se queixar como os outros, quando o Presidente disse que precisavam ter a vontade e a determinação dos argentinos, suar a camisa como eles, seguir o exemplo...

- Eu não acredito! Juro que não acredito! - ofendida, Ela faz o sinal-da-cruz. - Você me vem agora, aqui em casa, defender aquele indivíduo, aquele elemento ignorante e analfabeto e, pior, chamando-o de presidente com P maiúsculo? Estou te desconhecendo, juro! Aquele sujeito não pode ter razão nem quando está certo! - Ela fulmina.

- Bom, a verdade é que, depois das cobranças públicas que ele fez, o pessoal resolveu se empenhar mais e derrotou o Chile por 3 a 0 em Santiago, naquilo que diziam ser uma partida "dificílima". Como se o Chile tivesse tradição no futebol... - Ele faz um gesto para Ela, rogando que se acalmasse. - Claro, na verdade isto não tem importância alguma. O que falo é dessa mania dos nossos escritores, que decerto se acham estrelas de alguma grandeza e começam a pedir dinheiro para falar aqui ou ali, para participar de eventos literários.

- Justamente por essa razão é que papai não tolerava intelectuais: sempre metidos a inventar novidades, a criar modas, a contestar a Autoridade - Ela recorda, saudosa.

- O General foi um grande homem! Um modelo como não os há mais! - a admiração que Ele tem pelo pai dela é sincera. - Só não foi presidente por respeito à hierarquia: sempre havia um marechal ou um general mais graduado ou mais idoso na vez, na frente dele.

- Verdade, papai sempre foi o que se pode dizer, sem medo de errar, um general generoso - Ela suspira. - Honesto a mais não poder, morreu pobre e só não está esquecido porque me encarrego de zelar pela sua memória e de difundir suas lições de civismo patriótico.

- E tinha razão em olhar os escritores com desconfiança! - Ele começa novamente a se exaltar. - Lembro-me muito bem do que o General dizia: ninguém é obrigado a escrever, escreve quem quer e tem algo de útil a dizer; escrever é um dom de Deus do qual não cabe tirar proveito algum: nem proveito financeiro e, muito menos, vantagens políticas.

- Escrever é um "hobby", ele sempre falava. Como o Espiritismo - Ela confirma.

- Por isso é que não posso aceitar essa pretensão dos nossos "intelectuais", como se fossem cantores sertanejos ou músicos de "rock": dinheiro, dinheiro, dinheiro, sob a alegação de terem, como todo mundo, contas a pagar. - Ele mal se contém. - Ora, se têm contas a pagar que vão trabalhar como qualquer mortal, vão suar e sofrer para ganhar o seu. Sabe o que eu penso? Desculpe-me pela citação, de novo, mas se o presidente vier a público, como fez com a Seleção, em cinco anos teremos no mínimo três Nobel de Literatura para o Brasil!

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Da Importância de Criar Mancuspias", crônicas)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 10/09/2008
Código do texto: T1171232
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